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24 junho 2019

Democracia brasileira contemporânea: "Nós e eles"

A formação das sociedades humanas primitivas esteve ligada à formação de diferentes estruturas sociais, que foram formadas de acordo com a fase de desenvolvimento político de cada uma delas. A família é entendida como esse primeiro núcleo gregário, seguida pela tribo, chefatura, protoestado e Estados[1]. Cada uma dessas configurações sociopolíticas se identifica com a amplitude da participação no poder decisório, do âmbito mais restrito, até o mais alargado, determinando sobremaneira a conduta dos atores sociais na configuração das relações entre os integrantes do grupo gregário em questão. E por que essa temática é importante para o debate da relação entre Democracia e Política?

Para responder a essa pergunta, é necessário compreender que a grande questão que envolve a formação dos agrupamentos humanos é o sentimento de pertença: a identidade que se cria entre os membros que os compõem. Obviamente, que essa identidade é forjada num espaço territorial e cultural (língua, religião, moral e regras de organização social) e, em decorrência das necessidades de sobrevivência, sobre determinados fatores econômicos e de segurança [2]. Daí, a necessidade de se criarem fórmulas de proteção do agregado social contra invasões e agressões advindas do contato com outros grupos sociais e, nesse sentido, todos os elementos que ajudam a definir a identidade coletiva podem ser utilizados para isso: a religião, estabelecendo o antagonismo entre fiéis e infiéis; a política, com os aliados e os opositores; a guerra, com os amigos e os inimigos; a nação, com os nacionais e os estrangeiros, e assim por diante [3].

Feitas essas considerações iniciais, é preciso contextualizar o momento histórico no qual a questão da Democracia se insere, levando-se em consideração a flexibilização do conceito de Soberania e a inserção do conceito jurídico-político de "povo", em substituição à ideia de "nação", no contexto democrático. Sem percorrer todo o histórico sobre a formação dos Estados contemporâneos, é possível afirmar que o modelo atual que dá sustentação às relações políticas entre os cidadãos e os demais membros que compõem as sociedades - como os transentes e refugiados - está fundamentado no conceito de governação multinível [4]. Como bem assinala Paulo Bonavides [5], esse sistema tem por alicerce a inserção de elementos jurídicos do Direito Internacional Público nos ordenamentos jurídicos nacionais que, de acordo com Antônio Carlos Wolkmer [6] passou a inserir elementos provenientes dos tratados internacionais relacionados aos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais). Vale dizer que esta nova composição é o resultado da elaboração de uma sociedade de Estados que, aderindo ao multilateralismo na condução dos fatores geopolíticos como: equilíbrio de poder militar, organização do comércio e defesa da liberdade política e social. Isso levou à criação de um sistema internacional que visa regulamentar as relações entre os países em vários níveis: local, nacional, regional e global [4].

Destarte, é necessário que se compreenda que a defesa do pluralismo político integra a própria continuidade das relações em um mundo globalizado, da mesma maneira que as sociedades contemporâneas contém em si uma diversidade de grupos sociais, caracterizada pela heterogeneidade desses grupos. A constatação dessa realidade multidimensional das sociedades atuais faz emergir a necessidade de estruturar sistemas políticos que possam reconhecer a existência de grupos de interesse que divergem entre si na formação das agendas políticas nacionais [7]. Nesta difícil estruturação dos projetos e programas de governo, os diferentes atores sociais se utilizam das regras democráticas de participação não apenas para escolher seus representantes políticos, mas, sobretudo, para lhes influenciar no processo decisório legislativo que aloca verbas e planeja ações para governar a sociedade [7]. Porém, observa-se que a grande questão que se esconde por detrás dessa dinâmica política é a defesa dos interesses das minorias (grupos com menor influência sobre os governantes) e as maiorias políticas: como impedir que a vontade da maioria impeça a cidadania e a convivência pacífica entre os diferentes grupos de interesses?

Uma das soluções para esse impasse nas práticas democráticas é garantir que a vontade da maioria política (50% +1) não impeça o exercício de direitos das minorias, assegurando, inclusive, uma diferenciação jurídica estatutária, que reserve direitos e deveres de maneira equitativa para equilibrar as diferenças sociais, econômicas e culturais: assegurando o acesso aos bens jurídicos àqueles que se encontram em situação de hipossuficiência [8] e de representação política diminuta [9]. Isto significa que a Democracia deve ser considerada como um regime político não-excludente, impedindo que os grupos sociais com maior poder político alijam os direitos civis e políticos, sociais e econômicos e culturais dos grupos politicamente mais fracos - seguindo os desdobramentos das ideias apresentadas por Wolkmer [6] e de Bonavides [5]. Além disso, para que se possa falar em comportamento político, não se deve admitir a continuidade do entendimento de natureza fascista que cria o antagonismo entre amigos e inimigos no âmbito político [10]. A Política, entendida como arte e técnica para governar, evoluiu ao ponto de condensar a Democracia como um modelo (imperfeito) de governação que, apesar de todas as suas falhas operacionais (como a questão do domínio dos partidos políticos sobre as decisões políticas e o déficit de participação dos cidadãos, por exemplo), tenta conciliar as diferenças sociais com o apoio no Estado de Direito [11]: por isso, empregam-se as expressões Estado Democrático de Direito ou Estado de Direito Democrático para caracterizar essa equilíbrio entre Direito e Democracia na formação da estrutura estatal, revelando o aspecto jurídico (Direito) e político (Democrático) que deve dar contorno às ações dos poderes públicos, na figura de seus representantes.

É por essa razão que o discurso que estipula uma falsa dicotomia "nós e eles" no sistema democrático é contraproducente na conformação das diferenças políticas entre os grupos de interesses, porque o exercício da participação política deve ser assegurado a todos, de maneira a que cada um dos grupos sociais possa ter o direito de apresentar suas posições políticas perante as autoridades constituídas, nos meios de comunicação legalmente instituídos para tal. Essa exposição de ideias deve seguir os valores políticos institucionalizados que, no Brasil, integram o corpo da Constituição Federal de 1988, dentre os quais se destaca a liberdade de pensamento e expressão. A estruturação da ideologia excludente do "nós e eles" decorre da falsa percepção - impulsionada por uma autêntica paranoia - de que as vozes dissonantes devem ser silenciadas a todo custo, pois representam a ameaça a uma homogeneidade social. Porém, como discutido e reiterado por diversos autores, a sociedade brasileira é composta por diversas sociedades: as diferenças culturais são apenas um dos exemplos que demonstram essa heterogeneidade, além de outras como as diferentes etnias e línguas (a oficial e as indígenas) que se falam nestas terras. Para além disso, existem diferentes posicionamentos morais entre esses diferentes grupos; a expressão de uma dessas moralidades só pode ser entendida como Ética se tal sistema moral não deseje obliterar a existência dos demais [12].

Vale lembrar que o comportamento dos regimes totalitários sempre esteve correlacionado com a ideia de homogeneidade social: a História universal registrou os resultados nefastos da dicotomia "nós e eles" ou "amigos e inimigos" do Fascismo italiano e de outros regimes euro-asiáticos, no contexto da organização sociopolítica e do estabelecimento da ordem social. Todas as tentativas de homogenização social apagam a diversidade, a diferença e as liberdades públicas e privadas, fazendo distinções arbitrárias que separam cidadãos e não-cidadãos, com base em distinções de natureza religiosa, étnica, sexual (gêneros) e ideológicas. Eis o atual estágio da Democracia brasileira contemporânea: o reforço da distinção entre grupos sociais que leva à diminuição da representatividade e à exclusão de grupos políticos minoritários que se demonstram dissonantes da vontade da maioria.

***

[1] Fukuyama, Francis. The Origins of Political Order - From Prehuman Times to French Revolution. 2.ed., Profile Books, 2012). 

[2] Turner, John C. Redescubrir el grupo social: Una teoría de la categorización del yo. Madrid: Ediciones Morata, 1990.

[3] Giordan, Henri. Démocratie culturelle et droit à la différence: rapport présenté à Jack Lang, ministre de la Culture. Paris: La Documentation française, 1982.

[4] Duarte do Amaral, Arnaldo José. "A concretização da justiça em um mundo hiperglobalizado: necessidade de uma abordagem interdisciplinar". In: Borges, Alexandre W.; Coelho, Saulo P. (Coords.). Interconstitucionalidade e Interdisciplinaridade: Desafios, âmbitos e níveis de interação no mundo global. 1. ed. Vol. 1. Uberlândia: Edição Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparado, 2015, pp. 108-124.

[5] Bonavides, Paulo. Ciência Política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

[6] Wolkmer, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura do Direito. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

[7] Bilhim, João Abreu. "Políticas públicas e agenda política". In: ISCSP. Valorizar a Tradição: Orações de sapiência no ISCSP. Lisboa: Edições ISCSP / Universidade de Lisboa, 2004, pp.82-102.

[8] Abe, Maria Inês Miya; Vidal Neto, Pedro. A seguridade social em função dos direitos humanos. 2007. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

[9] Norris, Pippa. "Representation and the democratic deficit". In: European Journal of Political Research, n. 32: 273–282, 1997.

[10] Schmitt, Carl. O Conceito do Político. Lisboa: Edições 70, 2015.

[11] Poblete, Manuel Núñez. "Una introducción al constitucionalismo postmoderno y al pluralismo constitucional". In: Bascuas Jardón, Xoán-Carlos (et al.). Multiconstitucionalismo e multigoberno: estados e rexións na Unión Europea. Santiago de Compostela: Universidade de Compostela, 2005, pp. 19-55.

[12] Bittar, Paulo. Curso de Filosofia do Direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

09 dezembro 2016

Direitos sociais: porque o buraco é mais em baixo

Alterar os direitos sociais - como normas da previdência ou das formas mais flexíveis de contratação e demissão - implica em efeitos diversos nos diferentes setores sociais. Considerando as diferentes classes de trabalhadores e os níveis de desgaste físico e mental que o trabalha acarreta, é de se pressupor que haverá um tipo de consequência gravosa para cada tipo de trabalho prestado: trabalhos mais físico-intensivos significam desgastes a nível de estrutura óssea e muscular, enquanto a labuta de caráter técnico implica consequência a níveis de cansaço mental, quando não ocorrem efeitos dos dois tipos, simultaneamente. O fato é que o trabalho não é uma atividade de lazer, embora alguns até advoguem a tese de que é prazeroso: como dizem os portugueses, "trabalho é trabalho, e conhaque é diversão".

O fato é que as recentes reformas levadas a cabo na República brasileira fazem parte de um antigo debate sobre a sustentabilidade de um modelo de proteção social herdado da influência europeia de regulamentação da atividade produtiva executada pelos trabalhadores: longe de considerá-los como coisa, o legislador constituinte originário os dotou de uma série de garantias que integram um núcleo duro de um projeto bem mais arrojado de defesa de direitos: a incorporação do projeto político de direitos humanos num cenário de uma economia globalizada significaria o estabelecimento de standars mínimos de proteção contra os avanços do poder econômico: ao mesmo tempo em que se privilegiaria o valor social da iniciativa privada (com a manutenção da função social das empresas: vagas de trabalho), se protegeria o direito fundamental de livre iniciativa (função econômica da empresa: o lucro). Tudo isso numa tentativa de construção daquilo que Norberto Bobbio classificou e defendeu como liberalismo social.

As bases dessa teoria, conforme aventadas no parágrafo anterior, visam proteger o caráter produtivo crescente do sistema de produção, mediante um papel social a ser desenvolvido pela empresa: a responsabilidade social na condução dos negócios abrangeria não apenas o meio ambiente social, mas também acarretaria uma preocupação com o meio ambiente natural, numa lógica de desenvolvimento sustentável, com o crescimento controlado da exploração da mão-de-obra e da proteção da natureza, respectivamente. Além disso, condições de preparo da classe trabalhadora integraria um conjunto de ações de natureza cultural a serem incentivadas pelo Estado, por meio da promoção da ideia de escolarização e esforço pessoal para o desenvolvimento da melhores aptidões de cada trabalhador, preparando-os para a vida cidadã e para o mercado do trabalho - como funções básicas da Educação/escolarização - obrigação não só do Estado, mas da sociedade civil organizada.

Entretanto, a nova investida do capital financeiro que, se aproveitando do momento de crise mundial criada exatamente pela falta de regulamentação de sua atividade ao redor do globo, vem criando obstáculos que se fazem sentir, antes de tudo, na vida social dos trabalhadores e suas famílias. A carga tributária, a limitação de gastos sociais (decorrentes dos falidos programas de austeridade, que já não funcionaram nos países europeus) e os constantes avanços tecnológicos que vêm exigindo uma constante readaptação da mão-de-obra aos novos padrões de exercício das atividades laborais têm tornado impossível àqueles que ocupam posições de marginalidade dentro do sistema econômico de produção capitalista global acompanhar as mudanças que se operam numa escala frenética. Associado a isso, uma nova filosofia - a colaboracionista, que transmuta o empregado/trabalhador num có-participe da produção, por uma nova forma ideológica designativa, que o renomeia como "colaborador" - associada ao antigo e obscuro conceito de meritocracia - numa sociedade em que privilégios são herdados, passados de "pai para filho" com raras exceções que confirmam a regra -, vem fragilizando os conceitos elementares de exploração e reificação que derivam da história dos sistemas produtivos.

Dessa maneira, pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que o maior desafio para as atuais gerações passa por uma nova conceituação do que vem a ser "trabalho" como categoria, e qual papel real (e não apenas simbólica ou imaginária) essa atividade irá representar para as atuais e futuras gerações. É óbvio que, como destacado anteriormente, os efeitos desse novo tipo de regulamentação serão sentidos de maneira diversa pelos diferentes tipos ou categorias de trabalhadores: enquanto uns poderão esconder o seu desgaste com o uso de fármacos "milagrosos" que escondem o desgaste psicológico e mental de um trabalho cada vez mais competitivo e de valor tecnológico agregado, outros terão que definhar e aguardar silenciosamente pelo momento em que, desnecessários para o atual sistema de exploração do trabalho físico, só lhe restarão duas opções: a morte digna, pelo desgaste físico, ou a morte "insidiosa" à custa dos benefícios previdenciários que poderão fazer jus, porque não tiveram a "dignidade de morrer de tanto trabalhar".

Ainda, o deslocamento desse debate das ruas para as academias representa uma falha na formação de intelectuais orgânicos, responsáveis pela articulação de movimentos sociais, junto à falência do sistema representativo sindical que perdeu poder frente às novas formas atípicas de contratação laboral. O sistema produtivo, como é evidente, continua contornando as dificuldades que lhes são apresentadas pela regulamentação protetiva do mercado de trabalho, enquanto a pauta política, controlada não apenas pela arrogante classe intelectual e pela despolitizada classe média continua a ignorar os direitos daqueles que compõem as fileiras dos trabalhadores miseráveis deste país. Nesse mesmo sentido, convém relembrar que, mesmo em regimes ditatoriais ou déspotas, sempre há uma parcela de conivência e legitimidade do poder - que não vive somente mediante o uso da força. Mas. diante das injustiças sociais praticadas de maneira incessante e do crescimento da impunidade que atinge e privilegia os setores dominantes da sociedade brasileira (tanto das grandes fortunas, quanto dos grandes burocratas que se locupletam desse sistema de credulidade e abuso de prerrogativas), há o crescente descontentamento e deslegitimação do sistema legal, que impulsiona milhares de pessoas ao descumprimento das normas jurídicas e dos valores mínimos de uma sociedade que se propugna a ser "livre, solidária e fraterna".

Portanto, uma defesa sistemática dos direitos sociais é a busca de um mínimo existencial que não se confunde com a simples reprodução do capital humano, mas de uma contrapartida que se concretize em direitos que protegem o exercício de um trabalho decente e uma vida digna. Sem a defesa desses valores, volta-se ao período em que a oferta da alimentação garantidora da sobrevivência passa a ser legitimadora do exercício do trabalho, como ocorria na escravidão e na percepção de que, pelo menos, há o que comer.

23 agosto 2015

Fortaleza envergonhada

Imaginei esses dias a principal associação empresarial de qualquer cidade alemã recebendo um palestrante deputado que desembarcado no aeroporto local dissesse publicamente: “nós já vencemos uma vez, fomos derrotados, mas voltaremos” referindo-se ao 3º Reich. Soa absurdo, eu sei. Se mudarmos de continente e colocarmos a sandice no Chile, Uruguai ou mesmo Argentina, países que enfrentaram seus passados de ditadura como recomenda a internacional “Justiça de Transição” para consolidar consensos democráticos nacionais, haverá enorme dificuldade de crer razoavelmente em acontecimento dessa espécie. Mas a realidade costuma superar nossas piores distopias.

O protagonismo político do CIC colocou o Ceará na primeira página do País, o que se costuma chamar “A Era Tasso”, dos empresários “esclarecidos” no poder. Inúmeros trabalhos acadêmicos se referem a uma revolução burguesa tardia entre nós, uma “modernização conservadora” que, não obstante, representou avanços em setores diversos, da economia aos direitos humanos, como de resto em todo o País, desde o período da redemocratização. Os avanços, sociais e político-institucionais, ficaram bem aquém das promessas; negá-los, entretanto, é equívoco crasso.

29 junho 2015

LGBT, nossa causa comum

Dia 24 último, no lúcido “Ponto de Vista” sobre a tumultuada sessão da Câmara Municipal que retirou do Plano Municipal de Educação a recomendação de os professores serem formados para ajudar a pacificar diálogos, superar preconceitos, discriminações, violências sexistas e homofóbicas no ambiente escolar, o jornalista Henrique Araújo afirmou com razão que voltamos muitas casas no tabuleiro. E concluiu: ‘uma sessão para esquecer’. De modo algum. Na verdade, estou solicitando a gravação da sessão. É um sólido documento de sociologia, ciência política e filosofia que abreviará muito de meu esforço didático quantos aos conceitos de modernidade liberal, esclarecimento, laicidade e secularização em face dos dogmatismos de matizes obscurantistas não apenas, mas sobretudo religiosos.
 
(Foto: Rafael Lobato Pinheiro - Centro Cultural Dragão do Mar, 28/06/2015)
 
É preciso mais que não esquecer. Devemos atentar às falsas oposições que envolvem lutas emancipacionistas de minorias. No caso especial do combativo movimento LGBTT, tem-se acusado os evangélicos neopentecostais (teólogos da prosperidade, neoliberais radicais em matéria econômica) de fundamentalistas em contraste ao vento ‘renovador’ que sopra das batinas do Vaticano mundo afora. Ledo engano: são avesso e direito de um só front, apenas.

20 junho 2015

Marginalização e o exercício da liberdade sexual

O debate relacionado com a questão da hermenêutica jurídica na obra de Peter Häberle leva a reflexionar sobre os elementos consubstanciados na nossa Carta Maior, relacionados com o conceito de sociedade aberta. Essa teoria jurídico-política parte do pressuposto de que o Estado reconhece plena legitimidade ao debate político, possuindo normas jurídicas que instituem liberdades civis e políticas, num contexto social democrático. Essas normas possuem a eficácia necessária para a participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, por meio do acesso às informações institucionais e às instituições estatais.

(Foto: Luis Macedo / Agência Câmara)

19 junho 2015

Seriedade para mudar


Os detalhes são reveladores. Quando seres humanos são obrigados a tomar decisões muito graves, como, por exemplo, declarar guerra a outros agrupamentos humanos, estas decisões ganham caráter solene, marcial, afinal, estadistas não declaram guerra sorrindo, festejando despudoradamente sobre eventos que são graves, que respondem negatividade com negatividade.

10 dezembro 2014

Misoginia e o significado das palavras

"Bom dia, amor. Posso te estuprar hoje?"

É com essa frase que se pode começar uma investigação sobre a misoginia contida nas recentes declarações do Deputado Federal Jair Bolsonaro. Essa provocação inicial é necessária, pois, ao que tudo indica, os estudos de gênero que são desenvolvidos pelos renomados centros de pesquisa em Ciências Sociais europeus e norte-americanos não atingiram a inserção necessária no meio acadêmico brasileiro, com raras exceções. Portanto, uma provocação prévia é necessária, para que se possa traçar um molde genérico sobre o tema e despertar um debate atento a detalhes normalmente silenciados.

Vídeo: História dos Direitos Humanos

Uma breve ilustração da história dos direitos humanos, muito didática e útil para a formação de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Boas Festas!


Agradecimentos à Senhora Doutora Profa. Ana Paula Pinto Lourenço (UAL - Universidade Autónoma de Lisboa), por ter compartilhado essa importante ferramenta pedagógica.

O Político e o Professor

Desde as eleições recentes (outubro de 2014), as redes sociais têm sido espaço para a verborreia do ódio e do descontrole, intercalado apenas pelo bom senso de poucos, que tentam contemporizar e trazer à tona a racionalidade e a cidadania, necessários ao desenvolvimento pleno da Democracia brasileira. Porém, a Internet tem sido apenas o palco, onde os personagens multiplicadores desses sentimentos vis e antidemocráticos funcionam como fantoches de forças e grupos com intensões bem claras, e objetivos políticos concretos.
Para compreender o "estado da Nação", é preciso que se reconheça que os ânimos se acirraram, principalmente após a vitória apertada da atual Presidente da República - legitimamente eleita mediante pleito eleitoral, por escrutínio secreto e universal. Depois de encerradas as eleições, ao contrário do que se poderia imaginar - com a reorganização das forças políticas em torno de questões relevantes e urgentes para o País -, alguns setores da oposição têm utilizado das funções do Estado brasileiro para clamar por impeachment - sem que tenha havido, até o momento, a abertura de qualquer procedimento inquisitivo nos moldes do devido processo legal - e golpe militar - sem que se precise dizer que, além de estarem obrigados a respeitar o Estado Democrático de Direito (art. 142 da Constituição Federal), como grupo de cidadãos, os representantes dos altos escalões das Forças Armadas já firmaram posição de respeito à Democracia, em que pese à dissidência interna (e velada) sobre o tema...

02 abril 2014

Os "filhotes de ditadura"

O título deste texto é uma autêntica provocação; e essa provocação, de certeza, não é uma das mais prudentes atitudes a serem tomadas nos dias que correm. A expressão "filhotes de ditadura" foi cunhada por uma colega professora e, vez por outra, ressoa em minhas memórias como um alerta, uma lembrança de que ainda não superamos o autoritarismo do golpe de 1964. Essa é uma chaga aberta na sociedade brasileira, que ainda não conseguiu discutir todos os aspectos que envolvem o regime de exceção que se instalou no Brasil, de 1964 até 1988 - regime de exceção de um Estado não-democrático de Direito. Esse é mais um problema que se arrasta e que desperta o ódio e a ira de grupos que não conseguem (ainda) estabelecer um debate amplo sobre os males que o originaram e que germinaram durante esse período.

13 março 2014

A Democracia por um fio: coisas não queremos saber

O projeto democrático brasileiro vem, aos "trancos e barrancos", sofrendo diversos reveses nos últimos anos. Se é certo que depois da Constituição de 1988 pode-se falar de um ressurgimento da participação popular, é também correto admitir que ainda há muito a se democratizar no Brasil. Como um dos desafios, surgem as diversas e, por vezes, conflitantes perspectivas políticas e concepções ideológicas, calcadas nas tradições e leituras (ontologicamente construídas) que o legislador constituinte originário soube tão bem colmatar no texto constitucional - sob a rubrica do pluralismo político.

25 junho 2013

Considerações sobre a "Constituinte Exclusiva para a Reforma Política" - por Fernando Castelo Branco

"Muita gente está me perguntando sobre a proposta de um Plebiscito para Constituinte Exclusiva relativa à Reforma Política. Bom, vamos lá:

Considerações sobre a mobilização das massas no Brasil - por Newton Albuquerque

Os eventos de mobilização de massas no Brasil estão a nos cobrar uma reflexão mais exaustiva, fugindo dos impressionismos e das abordagens unilaterais. A Academia - não a dos músculos brandidos pelos policiais e agentes provocadores - precisa se deter nas expressões contraditórias que se aninham no bojo das manifestações de massa que tem ocorrido.

20 junho 2013

O "Gigante acorda": acordou para o que?

Nas últimas duas semanas, temos assistido a um fenômeno bastante interessante no Brasil: insurgências em diversas capitais brasileiras, que colocaram o povo na rua, contra os interesses dos governos de Estados e municípios. Houve também repercussão nacional, quando a Presidente da República, senhora Dilma Rousseff foi vaiada no jogo de abertura da Copa das Confederações. Some-se a isso a manifestação inaugural, na cidade de São Paulo, que desencadeou o processo, exatamente no centro da força econômico-financeira do País.

Mas existe um movimento político organizado? Onde foram organizadas essas manifestações? As informações passadas pelas empresas de comunicação privadas estão sendo manipuladas contra os manifestantes?

A primeira informação relevante acerca das manifestações é que a maioria é composta por donas de casa, trabalhadores da iniciativa privada, funcionários públicos, desempregados, estudantes e professores universitários. É uma massa disforme, não organizada de pessoas que, movidas por vários interesses, convergiram para formar uma multidão de indignados com os mesmos desafios de sempre: inflação, desemprego, corrupção, ineficiência do Estado diante das políticas públicas relativas à saúde, transportes, educação, infraestrutura dentre várias outras.

16 janeiro 2013

Libertarianismo: deturpação do conceito de emancipação social

  • AS TESES DISCUTIDAS
O libertarianismo é uma corrente de pensamento que defende a destituição da figura do Estado, que seria substituído por um não-regime de auto-governo (self-government), através de unidades locais de organização social. Em sua gênese, apropria-se de alguns aspectos da teoria anarquista do século XIX, mas diverge quanto aos critérios de emancipação social porque não propõe uma ruptura com os sistemas de produção e apropriação da riqueza social - a despeito de propugnar a eliminação da figura do Estado. Seus teóricos (os economistas Ludwig von Mises e Milton Friedman são os grandes expoentes) partem da concepção norte-americana de federação e propugnam o desmembramento e fim do Estado de uma maneira genérica ou global.

16 junho 2010

Em busca (de vestígios) do Socialismo brasileiro

O Socialismo surgiu como uma narrativa crítica ao contexto de exploração capitalista europeu. Desde sua conceituação utópica, até as influências analíticas que o transformaram numa disciplina de análise econômica, muitos foram os teóricos que se debruçaram diante da temática "injustiça social de natureza econômica". A influência do socialismo enquanto escola prático-teórica é claramente sentida na estruturação da Social-democracia europeia, cujos reflexos se fizeram sentir na redação dada à Constituição brasileira de 1988 - e é essa influência que pretendo comentar.

A priori, precisamos compreender que o Século XX foi um período dinâmico e fértil no campo da política / ideologia: o nazismo (Nationalsozialismus), o fascismo (de Salazar, em Portugal; de Franco, na Espanha; de Mussolini, na Itália; de Hiroito, no Japão) como expressão do poder da direita (elite capitalista); o capitalismo de Estado / comunismo (de Stalin, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; de Mao Tsé Tung, na República Popular da China). Mais recentemente: o intervencionismo militar ao redor do globo, por meio do neoconservadorismo norteamericano (de Ronald Reagan e George Bush); a hegemonia russa em parte do leste europeu e Ásia (de Mikhail Gorbachev); da influência israelense no Oriente Médio e o surgimento do fanatismo islâmico como forma de resistência e, ao mesmo tempo, alternativa contra a influência ocidental.

20 outubro 2009

O Projeto de Emenda Constitucional 341/2009

Proposta de emenda constitucional prevê a modificação do texto da Constituição de 1988, retirando-lhe toda a matéria que "não for constitucional". Já analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o projeto se propõe a entregar um "texto constitucional enxuto", que transferisse à legislação infraconstitucional todas as matérias que pudessem ser tratadas por leis ordinárias ou complementares.

Os autores da proposta consideram que o Brasil já é um país com democracia estável (sic), não sendo mais oportuno manter a Constituição da maneira aprovada pelo Legislador Constituinte Originário. Entretanto, como já dizia o meu avô, "a oportunidade faz o ladrão"; é inconcebível admitir o atual projeto, visto que a proposta de reforma constitucional se propõe a respeitar apenas as chamadas cláusulas pétreas - forma federativa de Estado, separação de poderes, direitos fundamentais individuais e outros elencados no art. 60 da CF/88.

21 março 2009

A Religião nos EUA, na visão de Barak Obama

Há tempos vínhamos arguindo que uma Casa Branca democrata com um presidente negro era um marco histórico global, mas ainda tínhamos dúvidas quanto a certas continuidades (práticas) do governo norte-americano. Porém, ao que tudo indica, haverá mesmo alguma progressão rumo a uma nova abordagem na universalização de valores humanísticos naquele país.

De fato, é importante destacar que a defesa de universalização de valores humanos é uma questão controversa, exatamente em razão do modelo ou paradigma de dignidade que diferencia cada prática humana. O "Mundo Ocidental" e o "Resto do Mundo" são duas metáforas que colhemos da modernidade, para descrever as dificuldades na equiparação do conceito de dignidade, quando ele é confrontado com valores das diversas culturas.

07 fevereiro 2009

Trabalho com dignidade: commodity escassa

Um dos problemas mais sensíveis da humanidade é o da relação de trabalho. Seja porque o trabalho é necessário à manutenção da vida - a luta pela vida -, seja porque persiste a idéia de que alguns poucos tem o direito de sobreviver às custas de muitos -- dinâmica exploradores e explorados --, as teorias e os conceitos sociais acerca do mundo laboral são dos mais complexos e controversos que existem nas "ciências" sociais humanas.

De fato, um dos problemas mais profundos em torno dessas questões de categorias e contextos é também o mais difícil de encontrar resolução: a questão ideológica. Por isso, diversos autores de correntes diversas (Zyzek, Habbermas, Boaventura, Giddens, Castells, para citar alguns) levantam a problemática da ideologia na construção das "ciências" sociais e humanas, porque é exatamente nesse campo de batalha que as práticas sociais são justificadas e, também, são coroadas estas ou aquelas formas de regulamentação social. Para completar essa panóplia, estão duas ferramentas elementares: o caráter auto-biográfico dessas ditas "ciências" e o não menos importante aspecto auto-referencial. Esse círculo vicioso encerra em suas fronteiras toda forma de apelo popular e democrático que se encontra além das fronteiras anti-democráticas da Academia (ou das universidades, como queiram).

05 fevereiro 2009

A exuberante e inevitável flexigurança

Desde o final dos anos 1990s, juslaboralistas de quase todo o planeta têm discutido as novas reformas normativas que regem os contratos de trabalho. Apesar de haver uma evidente clivagem entre duas grandes correntes antagônicas acerca da flexibilidade e da segurança da relação contratual, uma terceira via desponta no horizonte: a da flexigurança européia. Isso significa que os atuais trabalhos das comissões sobre emprego e segurança social nos países membros da UE procuram articular um novo modelo de proteção social que consiga equilibrar a facilidade do despedimento e contratação com algumas regras assistencialistas e de seguridade social.

Nesse contexto, a Comissão Européia é a autoridade com maior ânimo de encaminhar a proposta de flexigurança e o desmonte dos direitos laborais dos trabalhadores comunitários. Os trabalhos desse órgão comunitário são facilitados por razão de dois fatores decivos: pela concentração do processo legislativo na “capital” da União e pelo tecnicismo aplicado no processo decisório. Em ambos os casos, os cidadãos vêem-se excluídos da elaboração desse novo modelo. Primeiro, porque o distanciamento físico entre o centro de Poder e o cidadão é um claro empecílio à efetiva participação democrática. Segundo, porque os parâmetros que são aplicados na decisão jurídico-política não oferecem espaço de manobra para a inclusão de novas propostas – a mudança é um imperativo categórico (faça isso). Finalmente, porque esse deficit democrático aumenta pela falta de mecanismos jurídicos efetivos do controle de constitucionalidade das decisões dos órgãos comunitários.

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