23 dezembro 2008

Mercado financeiro: uma fábula

(Com a colaboração de Cláudio Monteiro)

"Certa vez quatro meninos foram ao campo e, por 100 reais, compraram o burro de um velho camponês. O homem combinou entregar-lhes o animal no dia seguinte.

"Mas quando eles voltaram para levar o burro, o camponês lhes disse:

- Sinto muito, amigos, mas tenho uma má notícia. O burro morreu.
- Então devolva-nos o dinheiro!
- Não posso, já o gastei todo.
- Então, de qualquer forma, queremos o burro.
- E para que o querem? O que vão fazer com ele?
- Nós vamos rifá-lo.
- Estão loucos? Como vão rifar um burro morto?
- Obviamente, não vamos dizer a ninguém que ele está morto.

"Um mês depois, o camponês se encontrou novamente com os quatro garotos e lhes perguntou:

- E então, o que aconteceu com o burro?
- Como lhe dissemos, o rifamos Vendemos 500 números a 2 reais cada um e arrecadamos 1.000 reais.
- E ninguém se queixou?
- Só o ganhador. Porém lhe devolvemos os 2 reais e ficou tudo resolvido."

15 dezembro 2008

Sr. Bush, o sapato, por favor...?


Não há palavras para descrever a atitude do jornalista. Talvez haja algo de bíblico nisso, no simbolismo da luta entre David e Golias. Sem dúvida nenhuma, é uma das cenas que ficará registrada na memória do povo iraquiano e na história mundial. É evidente que aqui não se pretende fazer reverência a nenhum tipo de violência. Mas a verdade é que, diante das centenas de milhares de pessoas que sofreram e sofrem com a invasão norte-americana no Iraque, o episódio é irrisório, banal.

Embora a intenção preliminar do agente tenha sido humilhar o presidente yankee, pensando melhor, o incidente foi uma "cesta de três pontos": 1º) pela humilhação simbólica de ter um sapato atirado em sua direção (de acordo com a tradição e leis do Islã); 2º) pela possibilidade de o ter atingido com um objeto pontudo, de couro, com quase 300g de massa e viajando em alta velocidade (conforme as leis da Física); e 3º) o perigo de tê-lo contaminado com o "chulé" causado pelas bactérias que pululam na combinação ácida entre o suor do jornalista e o calor desértico (conforme as leis da Biologia e da Geografia).

No Brasil -- se essa moda pega --, faltarão sapatos...

A notícia pode ser lida aqui: BBC|News.

13 dezembro 2008

Serra do Sol: o problema era o arroz?

A recente decisão do STF sob a demaracação da reserva indígena Raposa Serra do Sol põe um fim à querela midiática dos últimos meses e abre uma discussão sobre os reais motivos da quesilha. Afinal, eram os interesses dos fazendeiros de arroz e dos especuladores imobiliários versus os direitos dos índios às terras demarcadas. Isso demonstra ao cidadão o que se passa nos bastidores de decisões políticas do Judiciário e o qual é a verdadeira motivação das empresas privadas de comunicação.

Com efeito, deve-se dizer que a provocação jurisdicional partiu de fazendeiros que agiam contra a decisão do Executivo federal de demarcação daquelas terras, em 2005. A partir daí, toda uma campanha foi feita para "alertar" os brasileiros sobre os perigos à soberania nacional, à integridade do território e coisas do gênero. Ora. Quem examina a questão do ponto de vista jurídico sabe que não havia nenhum risco à suposta ou imaginária soberania nacional a guiar os interesses dos postulantes (os fazendeiros). Ainda, não era uma questão sobre os recursos naturais da região -- e a importância estratégica dos mesmos para o desenvolvimento do País. O que imperava na disputa eram os interesses de uma importante e impoluta indústria agropecuária que explora a plantação de arroz em Roraima e, ainda, o avanço da especulação imobiliária sobre as terras indígenas.

09 dezembro 2008

O novo Brasil de Lula

Todas as vezes que a mídia nacional estiver empenhada em algum assunto, desconfie: há uma agenda por detrás dessa motivação. Tendo em vista que os ataques sobre o atual governo aumentaram vertiginosamente nos últimos meses, convém salientar o seguinte: entramos no período das campanhas presidenciais. Por isso, convém fazer um balanço dos últimos 13 anos, para se verificar o que pode vir por aí.
  • A Herança de FHC (PSDB)
Fernando Henrique Cardoso é o antecessor do atual Presidente. Durante os seus 08 anos de mandato, de 1995 a 2003, o Brasil e o mundo puderam assistir ao mais bem elaborado plano de privatizações jamais levado a cabo no continente americano. Ainda, foi a cúpula de intelectuais políticos de FHC que condiziu o Congresso Nacional à aprovação de emenda constitucional instituidora da reeleição ao cargo de Presidente da República. Porém, tanto os processos de privatizações, quanto a aprovação da "emenda da reeleição" foram fatos marcados por escândalos políticos, quer na compra de votos de parlamentares à aprovação da infame emenda, quer no sub-faturamento e sub-avaliação das empresas a serem privatizadas.

08 dezembro 2008

Estatização de bancos à vista, na Inglaterra (2)

Autores: Jorge F. Maques* e Antônio T. Praxedes.

Após a crise financeira que sacudiu o mundo nos últimos meses, o Estado vai retornando ao papel que exerceu no pós-Segunda Grande Guerra, qual seja, o de ativo interventor na Economia. Seja através do bailout aos grandes bancos, seja através do suporte às indústrias, a teoria da não-intervenção estatal nos assuntos financeiros vai sendo deixada de lado, e se repete um ciclo econômico. Porém, se nada se repete na História, como se dará esta nova fase do pós-capitalismo?

Se é-nos impossível prever o futuro, uma coisa é certa: estamos num período de mudanças drásticas. Chamem-lhe de Obamanomics, Gordonmomics -- ou qualquer justaposição entre o nome de um líder governamental e economics --, esse novo processo intervencionista é a oportunidade perfeita para uma adaptação dos diversos setores econômicos às novas configurações sociais: 1) no trabalho e do trabalho, com as novas formas de contratos e de prestação de serviços; 2) do sistema financeiro, com a ascenção -- mesmo que momentânea -- de limites ao capital especulativo selvagem; e 3) com uma nova configuração geopolítica na condução do sistema de produção global, como ilustra o grupo do G-20.

02 dezembro 2008

Estatizações de bancos à vista, na Inglaterra

O Primeiro Ministro britânico Gordon Brown deu um duro recado aos bancos ingleses que receberam investimentos públicos na crise financeira: se não repassarem esses investimentos na forma de créditos à população e ajudarem a movimentar a economia, poderão ser estatizados.

A notícia é tão "bizarra" que ainda não consegui digerir a idéia, desde o dia 25/11/2008 até hoje, 02/12/2008. Gostaria de saber o que o leitor pensa disso.

Sobre esse assunto, pode enviar-me um email (clique aqui) ou deixar seus comentários no blog (clique aqui).

Você tem US$ 20 mil?


De acordo com esta propaganda, aquele que tiver vinte mil dolares pode adquirir um lindo terreno de praia no Brasil. O texto do anúncio é claro: compre o seu pedaço de terra paradisíaca num mercado emergente, antes que o preço desse tipo de imóvel torne-se inacessível. Assim, é possível afirmar que avança o processo de privatização global de terrenos públicos (como são os terrenos de marinha, no País) e espaços naturais (florestas, reservas naturais e etc.), em detrimento dos interesses socais correlatos às populações praianas e ribeirinhas, nativas dessas regiões.

25 novembro 2008

Direito de resposta de Lionel Brizola contra Rede Globo

A Rede Globo de Televisão tornou-se num dos maiores conglomerados de telecomunicações no planeta. As origens desse poder midiático remontam ao período da ditadura militar brasileira que perdurou de 1964 até 1988 -- sempre considerando que a ditadura só chegou ao fim com a Constituição de 1988, ou seja, com um novo ordenamento jurídico.

Uma das vozes que mais se opôs ao poder da Globo foi o político Lionel Brizola. O trecho do Jornal Nacional que você vai assistir agora refere-se ao direito de resposta de Brizola contra a propaganda da Rede Globo que difamou a sua imagem em 1990. Isto significa que, depois de quatro anos lutando na justiça, Lionel Brizola assegurou seu direito de resposta em cadeia nacional, no horário nobre da televisão brasileira.

24 novembro 2008

Flexibilidade no trabalho e as necessárias contra-partidas

As teses que defendem a necessidade de flexibilidade dos contratos de trabalho são cínicas. Seu cinismo não está centrado na insegurança a que subtem os trabalhadores, mas ao seu alcance limitado aos trabalhadores que alferem baixos e médios salários, sem atingir outros setores do mercado de trabalhos, nomeadamente, executivos, diretores e outros cargos de alto escalão.

Com efeito, as medidas de flexibilização dos contratos de trabalho visam promover uma maior facilidade na contratação e no despedimento de trabalhadores. Essa espécie de heresia aos direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 22 e ss.) é, antes de mais, uma consequência do discurso emergencial no qual se baseiam as decisões políticos nesse período pós-político. Assim, os argumentos jurídico-econômicos apresentam-se como infalíveis e aéticos, de forma a garantir a maximização de recursos e melhores resultados econômicos, que garantam a sustentabilidade da Economia.

21 novembro 2008

Soberania territorial relativa

A soberania territorial no Brasil é relativa. Digo isso porque constatei que existe uma variação da força do princípio jurídico em questão, quando a idéia é observada em situações diferentes. Para ilustrar essa hipótese, oferto dois exemplos.

O primeiro dado é a controvérsia sobre a Reserva da Raposa Serra do Sol, no Estado do Pará*. Ali, alguns grupos indígenas começaram a reivindicar autonomia territorial. Isso causou um reboliço sem precedentes, com o apelo à defesa da soberania do território nacional em região fronteiriça, além de todo o apelo midiático necessário para causar uma das maiores polêmicas de todos os tempos, com uma propaganda propositadamente negativa ao direito de auto-afirmação dos povos indígenas.

Orgulho do Brasil

Tem circulado na internet um email clamando por um orgulho pelo Brasil, pregando o amor por ser brasileiro. Nada contra. Sentir-se parte de algo, ou lutar por ter uma identidade é uma das características mais simplórias da humanidade. Porém, as coisas ganham outra dimensão quando esse tipo de apelo se reveste de um cariz nacionalista - aí as opiniões ficam um pouco mais melindrosas.

O teor do email não é nada ofensivo. Apenas mostra, de forma bem contundente, aquilo que todo brasileiro desconfia, mas não tem certeza; mostra o quanto o Brasil é um país rico e poderoso. O engraçado é que, colocando os recursos naturais em segundo lugar, o texto faz um apelo pelo progresso que o País atingiu no plano industrial, isto é, pinta um cenário até certo ponto bastante realista sobre a atual economia nacional.

União sagrada para a vigarice sagrada - por Éric Toussaint*

(Este artigo encontra-se em http://resistir.info/)

"O salvamento dos bancos e dos seguros privados realizado em setembro-outubro de 2008 constitui uma escolha política forte que não tinha nada de inelutável e que compromete o futuro em vários níveis decisivos.

"Em primeiro lugar, o custo da operação fica inteiramente a cargo dos poderes públicos, o que implicará um aumento muito importante da dívida pública[1]. A crise capitalista atual, que durará ao menos vários anos, até mesmo uma dezena de anos[2], vai implicar uma redução das receitas do Estado enquanto aumentarão os seus encargos ligados ao reembolso da dívida. Em consequência, as pressões para reduzir as despesas sociais vão ser muito fortes.

20 novembro 2008

O discurso da crise

A "nova" crise econômica global é um problema retórico. Apesar da propaganda que é feita em torno do atual downturn, a recessão econômica anunciada atinge apenas a parcela mais frágil das Sociedades, qual seja, os trabalhadores. Essa é uma análise prática da situação, tendo em vista o bail-out do sistema financeiro e os subsídios conferidos às multinacionais européias e norte-americanas.

Na composição desse cenário, o G20 representa uma reorganização da geopolítica mundial que não significa necessariamente uma democratização do sistema de produção econômica, mas o fortalecimento das atuais estruturas de controle social. Isso porque embora um maior número de países tomem parte nas negociações internacionais sobre as movimentações comerciais e financeiras e isso signifique uma melhoria das condições de produção e comércio, o comando e as diretrizes gerais ainda continuam a ser impostas pelos países do Norte, contra os interesses das populações do Sul. Isso quer dizer que o papel dos irmãos pobres do Sul continua a ser o de produzir para satisfazer as demandas dos irmãos ricos do Norte -- inclusive, com a mantuenção do sistema de classes sociais no interior dos países periféricos e semi-periféricos.

15 novembro 2008

Change: yes, we could...

Não me lembro de ter acompanhado um mote tão bem elaborado na política dos últimos 10 anos como o de Barack Obama: "Change: yes we can!". Inspirador, popular e ... demagógico? Qual é a real mudança que virá deste governo?

Na área da defesa, praticamente nenhuma, vez que as intervenções militares ao redor do planeta continuarão -- pelo menos é o que está previsto para o Iraque e Afeganistão. Inclusive porque Barack Obama irá manter em seus atuais cargos: Colin Powell, Robert Gates -- Secretário de Defesa e Chefe do Estado-maior, respectivamente.

Mas as continuidades não param por aí. No discurso após a reunião com o G20, Bush discursa -- com seu sotaque texano e a inteligência de uma ameba --, afirmando que o objetivo final daquela reunião seria garantir o livre mercado. Hum... Obama, de Chicago, apoia. E a regulamentação global do mercado financeiro? Fica para depois, talvez.

Contudo, não estranhe, prezado e surpreso leitor. Isso tudo é muito normal. Faz parte de uma estratégia simples, na qual os eleitos representam um determinado papel, que é escrito nos bastidores por hábeis analistas e intelectuais, tudo para o benefício geral da(s) nação(ões).

Change, well... Yes, you should, but you won't.

12 novembro 2008

"Diga não às drogas" - trecho de palestra com Thomas Szasz

Thomas Szasz vem causando uma enorme controvérsia nos meios psiquiátricos norte-americanos. Esse psicanalista de 88 anos é um dos responsáveis pelas mais abrasivas e bem orientadas críticas contra o tratamento de crianças "diagnosticadas" com TDA (Transtorno com Déficit de Atenção com Hiperatividade). Com área de interesse bastante ampla, seus trabalhos envolvem psiquiatria forense, psicologia, Direito e Filosofia -- mas seu foco dos últimos anos incide sobre a luta contra a administração de drogas em crianças.

De acordo com os acadêmicos e investigadores do ramo da psiquiatria, o TDA ou DDA -- Distúrbio de Défict de Atenção, como também é chamada essa "doença" -- atinge de uma média de 4% das crianças em idade escolar, e dizem os cientistas médicos que essa disfunção cerebral é responsável pelo comportamento de inquietude, falta de concentração e impulsividade em crianças. Nos Estados Unidos da América é comum a administração de cloridrato de metilfenidato (comercializado com o nome de "Ritalina"); isso significa que existem, hoje, milhões de crianças a tomar o tal medicamento, por serem "inquietas, desatentas e impulsivas".

08 novembro 2008

A branquitude ressentida e Barack Obama - por Lourenço Cardoso*

A branquitude ressentida e Barack Obama, ouse a raça não é importante depende de quem diz.

Lourenço Cardoso
lourencocardoso@uol.com.br

Barack Obama foi o primeiro negro eleito presidente dos Estados Unidos. Em sua campanha, procurou desvincular sua imagem da idéia de raça. No jogo das identidades, apelou para sua identidade nacional, distanciando-se da identidade racial.

O senador argumentou que era mestiço: filho de mãe branca americana e pai negro africano. A idéia implícita que o então senador procurou passar durante o desenrolar da disputa eleitoral foi que a raça não era importante. Enquanto candidato, ambicionou tanto os votos dos brancos, quanto dos negros, assim como todos os políticos, procurou angariar votos sem distinção.

Cinema, política e globalização - entrevista com Slavoj Zizek

Uma rápida mas imperdível entrevista com Slavoj Zizek.

Zizek é um psicanalista ioguslávio (esloveno) e professor de Sociologia na European Graduate School. Este pensador vem ganhando cada vez mais notoriedade na mídia global, vez que sua linha de pesquisa aborda temas que envolvem psicanálise, teoria política (marxismo), economia e artes, de maneira transversal e interconectada .

Vale a pena assistir (dublado em português).

07 novembro 2008

A vida privada dos representantes públicos

É cediça a confusão entre a vida pública e a vida privada dos representantes públicos. Homens e mulheres de governo estão sempre sujeitos à execração popular até mesmo por causa da mais banal das atitudes. Isso se dá pela idéia pérfida de que esses homens e mulheres são os "melhores exemplos" da Sociedade e devem, por essa razão, cultivar os melhores hábitos e zelar pelos bons costumes.

Ledo engano, esse hábito de mistura entre o caráter particular (privado) com o exercício das atribuições políticas de um indivíduo não encontra convergência, a não ser em casos excepcionais. No geral, tais espectativas são nada mais do que 1) uma válvula de escape às pressões cotidianas da população e 2) ferramenta à disposição de políticos oportunistas.

05 novembro 2008

O meio ambiente da corrupção no Ceará

Os livros de História já ilustram o perfil predatório da ocupação do solo no Brasil. De Pedro Álvares Cabral ao Governo Lula, do litoral à floresta, do sertão da catinga ao pantanal, colonizadores e colonos substituem-se na atividade que tornou "viável" a ocupação do território brasileiro: a depredação dos recursos naturais. 

Nesse contexto, a história do Município de Fortaleza (CE) não é diferente. De todos os lados, surgem relatos sobre a devastação de reservas ambientais: a destruição das dunas da Praia do Futuro; a desmatação do manguezal do Rio Cocó; urbanização e poluição da Beira Mar, etc. O que se passa na Capital também ilustra o que ocorre no resto do Estado: urbanização da Lagoa do Banana; depredação de Jijoca e Jericoacoara; a destruição das reservas florestais da Serra da Ibiapaba, Ubajara, Maranguape, etc. Esta semana, a "Operação Marambaia" da Polícia Federal levou à captura de meia dezena de funcionários públicos que estariam envolvidos em esquemas imobiliários irregulares e ilegais (leia mais aqui).

31 outubro 2008

"Uma Casa Branca Negra" - Por Boaventura de Sousa Santos*

(Publicado na Visão, em 23 de Outubro de 2008)

«É muito provável que o próximo presidente dos EUA seja um afro-descendente. O significado de tal facto é enorme e insere-se num processo histórico mais amplo. As três últimas décadas foram de muita esperança e desilusão a respeito da democracia representativa. Muitos países conquistaram ou reconquistaram a democracia neste período mas a garantia dos direitos cívicos e políticos ocorreu de par com a degradação dos direitos sociais, o aumento da desigualdade social, da corrupção e do autoritarismo.

28 outubro 2008

A pena de morte no Brasil

No Brasil, a lei quase nunca encontra amparo na realidade, quer porque não se reconhece a sua legitimidade, quer porque simplesmente não se aplicam as regras previstas, quer ainda porque a prática social ignora a imperatividade normativa.

O caso da pena de morte não é exceção à este fato. Dia após dia são-nos reportadas as chacinas em cadeias, presídios e nas ruas das grandes e pequenas cidades. Casos de pena de morte, levados a cabo por autoridades públicas e por particulares, ao arrepio da lei, são práticas frequentes, e surgem como forma de punir (principalmente) pessoas que se encontram à margem da Sociedade.

Crise financeira e mídia, ou o Sol e a peneira

As explicações sobre a atual crise financeira pululam na mídia internacional. Acusações e desculpas correm por todos os lados, e culpados há muitos -- claro, dentre os que apostam no mercado financeiro. Nesse contexto, ao que tudo indica, cada grupo/empresa de comunicação social parece querer defender esta ou aquela "melhor explicação" para o fato de que eu, você ou todos nós vamos arcar com os prejuízos do esquema de enriquecimento ilícito praticado pelos grandes bancos do sistema financeiro global.

Por que a BOVESPA e outras bolsas de valores estão em queda? Porque os investidores internacionais estão exigindo a liquidez de seus títulos, porque o sistema financeiro internacional está na bancarrota. Em Agosto deste ano o FED (Banco Central dos EUA) já havia emprestado em torno de US$ 2 bilhões a quatro grandes bancos norte-americanos (Bank of America, JP Morgan Chase & Co, Citigroup e o Wachovia Corp.), e no começo deste mês de Outubro já havia anunciado um pacote de US$ 700 bilhões para salvar outros bancos do destino do Lehman Bros., ou seja, a falência.

15 outubro 2008

A crise financeira já era esperada

A última semana foi marcada por um grande burburinho na mídia global: estava anunciada uma crise financeira, causada pela bolha especulativa que já havia sido detectada por economistas no início dos anos 2000. Enquanto a inflação atinge bilhões de pessoas ao redor do mundo e os investidores não conseguem estimar se o sistema voltará a funcionar "normalmente", os governos do grupo dos G8+Rússia anunciam planos de recuperação financeira, despejando no mercado somas astronômicas (de dinheiro público).

De fato, a atual crise teve suas origens nos começo dos anos 1970, quando os Estados Unidos da América puseram fim à regulamentação do mercado financeiro e ao lastro em ouro da moeda norte-americana, quebrando o pacto do pós-guerra de Bretton Woods e estabelecendo o dólar como a moeda de trocas internacional.

10 outubro 2008

Novos desafios ao ensino superior europeu

Preliminarmente, pode-se dizer que o "Processo de Bolonha" é um projeto de harmonização dos sistemas de ensino superior dos Estados-membros da União Européia. O que se deve dizer depois disso é que, assim como as outras áreas sociais da UE, esse projeto também representa um grande desafio político às autoridades comunitárias e nacionais. Porém, o que me chamou atenção não foram as questões políticas da questão, mas as práticas e seus efeitos imediatos no corpo discente das universidades européias.

É evidente que no primeiro momento, os alunos surpreendidos pelas alterações tenham ficado inseguros, diante não só da pouca informação acerca das mudanças mas, também, cobertos de incertezas diante de um projeto obscuro e do qual não se poderia obter uma previsão concreta quanto aos resultados dessa harmonização. Os protestos ecoaram nas principais e mais tradicionais universidades sem, entretanto, conseguirem obstar as mudanças que já estavam nas agendas de reitores e ministros de educação europeus já havia algum tempo.

09 outubro 2008

Estado e mercado: velhas e novas alianças

O cenário atual da economia global não poderia ser mais irônico: o mercado socorre-se do Estado. Este é um retrocesso da política à economia, sem dúvida alguma, mas com uma ação silenciosa: a transferência de fundos públicos aos privados. 

Ora! O independente e livre mercado agora precisa da inteligente, cautelosa e necessária intervenção (dinheiro) do Estado, para que o mundo não vá à bancarrota. O que significa dizer que agora privatiza-se o dinheiro público ou, o que dá no mesmo, que o Estado se responsabiliza pela atuação fraudulenta/irresponsável dos grandes atores (big players) do mercado financeiro internacional.

05 setembro 2008

Pão e circo - 2

A Sociedade de consumo, individualista e materialista tem um desafio pela frente: como manter os elevados níveis de consumo, principalmente com produtos de entretenimento, frente à crise que se aprofunda no núcleo do capitalismo desenvolvido e à beira da periferia do sistema mundo globalizado. O problema é basicamente o seguinte: como manter as populações dóceis e alinhadas com a ideologia dominante -- não interventiva, anti-coletivista e, consequentemente, anti-social --, se não há crédito nem fundos suficientes para manter os atuais níveis de consumo?

04 setembro 2008

Pão e circo

Qual é a ligação entre entretenimento e política? A resposta é óbvia: tudo. Desde a expansão romana que a máxima "pão e circo" alerta para a profunda ligação entre esses dois construtos sociais. Assim, pode-se afirmar que essas duas formas de expressão criativa do homem têm laços profundos na cultura e, mais explicitamente, na Sociedade de massas.

O entretenimento serve à política, e vice-versa, vez que dela colhe substrato para dramas - da tragédia à comédia. E nisso não há grande espanto. O que causa arrepio é observar o quanto essa interação é perigosa, quando observa-se um largo espectro da vida em Sociedade, e se insere a componente Economia nesta equação.

01 setembro 2008

A crise internacional e a estabilidade brasileira

Nos últimos meses, tenho acompanhado com bastante atenção a crise econômica que abalou o Norte Global, causada pela especulação selvagem no mercado financeiro das ações (stock options) do mercado imobiliário norte-americano: o mini-crash que ficou conhecido como sub-prime crisis.


O resultado disso nos E.U.A. e União Européia foi uma crise financeira generalizada (credit crunch), que impede a oferta de crédito e prejudica a economia (inflação de 4,4% e desvalorização imobiliária de 19% no Reino Unido, por exemplo) e as políticas de emprego. Ainda, os preços estratosféricos do barril de petróleo vêm complicar esse cenário, comprimindo um setor do mercado que cria e mantém muitos empregos (o automobilístico) e encarecendo ainda mais os produtos alimentícios.

09 julho 2008

A esquerda "comportada"

Muito tem se discutido para onde foi ou para onde caminha aquilo que se convencionou chamar de "esquerda". Outra forma de colocar a questão é discutir se têm razão os pós-modernistas que pregam o fim da ideologia e, consequentemente, o fim do pensamento de esquerda. Temos aí muito o que dizer, mas quero pensar apenas a esquerda em geral, para falar da esquerda "comportada" em pormenor.

A origem da "esquerda" não poderia ser mais folclórica do que a sua própria raiz: vinha do posicionamento dos membros da Assembléia Legislativa pós-revolucionária francesa, na qual os membros da aristocracia sentavam-se à direita e os membros da pequena burguesia sentavam-se à esquerda. Tão simples como isso. Entretanto, a importância dessa divisão reside no apoio popular que os membros da "esquerda" recebiam, o que lhes dava respaldo para atuar na Assembléia em nome do povo (aí está, portanto, a origem do poder burguês no sistema representativo da democracia liberal).

07 junho 2008

"Bifurcação na Justiça"* - por Boaventura de Sousa Santos

«Entende-se por bifurcação a situação de um sistema instável em que uma alteração mínima pode causar efeitos imprevisíveis e de grande porte. Penso que o sistema judicial brasileiro vive neste momento uma situação de bifurcação. O Brasil é um dos países latino-americanos com mais forte tradição de judicialização da política. Há judicialização da política sempre que os conflitos jurídicos, mesmo que titulados por indivíduos, são emergências recorrentes de conflitos sociais subjacentes que o sistema político em sentido estrito (Congresso e Governo) não quer ou não pode resolver. Os tribunais são, assim, chamados a decidir questões que têm um impacto significativo na recomposição política de interesses conflituantes em jogo.

DEBATE: "Demarcação de território indígena em perigo" - por Boaventura de Sousa Santos

O presente texto é elaborado em função de dois outros: um da autoria do sociólogo Boaventura de Sousa Santos e outro do jurista Eduardo Magnani. Quero agradecer ao professor Boaventura por ter autorizado a publicação de seu texto neste blog e, também, a iniciativa de meu colega Magnani em ter trazido seu ponto de vista para debate.

Primeiramente, gostava de deixar claro o seguinte posicionamento: qualquer tentativa discursiva que tenha por objetivo (direto ou indireto) invalidar o direito dos povos indígenas ao uso da terra será ilegítima. Os textos da Constituição de 1988 e da legislação especial são claros: os índios são usufrutários das reservas indígenas e, estas últimas, são propriedades da União. O problema é que o Estado é (seletivamente) ausente e as instituições que cria (como a FUNAI) são pontualmente ineficientes.

03 junho 2008

DEBATE - "Demarcação de território Indígena em perigo" - Por Boaventura de Sousa Santos

Estou postando meu posicionamento para debate pelo fato de entender que o assunto referente ao abaixo-assinado é extremamente complexo e está contemplado por aspectos diversos.

Realmente não sei se estou à altura de refutar as idéias do Prof. Boaventura Santos, porém ao ler o teor do documento, julguei que seria necessária uma postagem com minha posição sobre a questão.
De antemão, devo informar que respeito o que está escrito no abaixo-assinado, assim como também respeito todos aqueles que a ele aderiram e assumem uma posição pró-indígena no tópico em debate.
A meu ver, há muito mais a ser aprofundado sobre este assunto, pois ele não se refere somente a uma questão isolada de conflito entre índios e fazendeiros de arroz sobre uma parte do território do Estado de Roraima. Não cabe a mim aqui me posicionar pró-índios ou pró-arrozeiros, pois o embate entre ambos transpassou os limites democráticos há muito tempo e se tornou um “briga aberta”, havendo atos de violência e agressão dos dois lados. Assim, não tomarei partido, pois minha análise visa um aspecto maior.

02 junho 2008

"Demarcação de território Indígena em perigo" - Por Boaventura de Sousa Santos

ABAIXO ASSINADO

Texto formulado pelo sociólogo português, prof. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, como contribuição à luta em defesa dos povos indígenas da Raposa/Serra do Sol (RR).

Demarcação de território Indígena em perigo

Diante da polêmica demarcação do território indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e sendo premente o julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, os abaixo-assinados têm a declarar o seguinte:

27 maio 2008

Petição: Caso Dorothy Stang

O caso Dorothy Stang teve um desfecho inusitado: a absolvição do acusado, suposto mandante do crime, o fazendeiro "Bida", contra a prova dos autos. O texto a seguir faz parte de uma petição online, com o objetivo de incitar os desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará à reapreciação do caso. Mesmo que não produza efeitos legais (e não produz...), assinar essa petição é um ato de protesto contra a violência rural no Brasil - é um dever cívico.

16 maio 2008

O cidadão emudecido e o capitalismo surdo

Nos últimos meses, tenho me debruçado sobre o discurso neoliberal, de forma exaustiva, tentando identificar aquilo que o torna "neo" em função do liberalismo dos séculos XIX e XX. Embora, à partida, tenha pensado que não haveria nada de novo, logo fui levado a concluir que estava redondamente enganado. Apesar disso, pude constatar que alguns resultados sociais dessa nova "política" são semelhantes aos da velha, embora os espaços e as dinâmicas sejam diferentes. Senão, vejamos.

O liberalismo tinha por sustentáculo inicial a idéia de Estado-nação e a unidade social. A partir daí, o controle social se dava em nível interno e, só depois, partia rumo à dominação de outros povos. Assim, o poder era assegurado em nível local, através da prática burguesa de controle da propriedade privada e de duas formas de divisão: a divisão do trabalho e a de classes. Dessa forma, pode-se afirmar que não havia um projeto liberal, mas vários: norte-americano, inglês, francês, alemão etc.

"A Fome Infame" - por Boaventura de Sousa Santos

(Publicado na Visão em 8 de Maio de 2008)

«Há muito conhecido dos que estudam a questão alimentar, o escândalo finalmente estalou na opinião pública: a substituição da agricultura familiar, camponesa, orientada para a auto-suficiência alimentar e os mercados locais, pela grande agro-indústria, orientada para a monocultura de produtos de exportação (flores ou tomates), longe de resolver o problema alimentar do mundo, agravou-o. Tendo prometido erradicar a fome do mundo no espaço de vinte anos, confrontamo-nos hoje com uma situação pior do que a que existia há quarenta anos. Cerca de um sexto da humanidade passa fome; segundo o Banco Mundial, 33 países estão à beira de uma crise alimentar grave; mesmo nos países mais desenvolvidos os bancos alimentares estão a perder as suas reservas; e voltaram as revoltas da fome que em alguns países já causaram mortes. Entretanto, a ajuda alimentar da ONU está hoje a comprar a 780 dólares a tonelada de alimentos que no passado mês de Março comprava a 460 dólares.

13 maio 2008

Debate: "Sobre Legalização do Aborto..."

Comentário de Antônio T. Praxedes, publicado em resposta ao texto de Mhauro Garcia intitulado "Sobre Legalização do Aborto...", no blog Garfil.
Olá Mhauro,
muito bom o texto. Penso que ele suscita boas questões para um debate.

1º) Vejo que existe a inserção de uma categoria ou elemento de linguagem que não se adequa ao problema: o termo "criança". Na proposta de despenalização do aborto, o que está em jogo é a remoção de um conjunto de células, chamado na Biologia de "zigoto". O zigoto não é uma pessoa, é a "possibilidade de uma pessoa". Foi por esta razão que o Direito e, no caso mais específico, nos Direitos Humanos, utiliza-se o termo "pessoa", que é o sujeito de direitos. Uma pessoa natural é aquela que nasce com vida. Note que são duas condições: nascimento e vida extra-uterina. A remoção do zigoto deve ser feita enquanto ele não chega a ser propriamente um "feto", ou seja, com um conjunto de características humanas, para além do DNA ou código genético. A intervenção, portanto, deve ser feita num óvulo fecundado. Assim, o uso do termo "criança" parece-me minimamente tendencioso, porque traz todo um apelo emocional à questão do aborto.

09 maio 2008

Aborto: uma questão feminina e íntima

Não são poucas as vezes que o Estado é chamado a legislar em áreas em que não deveria. Também não são poucas as vezes que ele é chamado e não cumpre seu dever. Uma dessas matérias diz respeito ao aborto. Infelizmente, os tais "valores morais" da "sociedade brasileira" - que deveriam ser chamados corretamente de moralismo, com todas as implicações técnicas dessa categoria específica - passam por cima da prática social e ignoram os verdadeiros problemas vividos pela Sociedade (sim, com "S"). Senão, vejamos.

A decisão de ter um filho ou filha é, antes de mais nada e absolutamente, um direito da mulher; é ela que, enquanto indivíduo, decide se carregará um fardo ou um filho(a) amado(a). Mas existem outras considerações transversais sobre esse direito, que tocam tanto seu exercício quanto sua disposição. Em sua luta pela emancipação, a mulher ainda está sujeita às intervenções sociais de uma Sociedade machista e presa ao passado (ou presa ao discurso cego do machismo chauvinista, religioso, político, econômico etc.).

08 maio 2008

O direito de ter direitos

Durante o mês de março deste ano, tivemos oportunidade de acompanhar duas palestras nos trabalhos do programa de doutoramento das faculdades de Direito e Economia da Universidade de Coimbra. Ambas tiveram como núcleo duro a discussão do "paradigma zero" ou Estado de Direito, nos moldes da mais clara ideologia liberal. Entretanto, nenhuma delas foi capaz de oferecer respostas às questões quer do pluralismo jurídico, quer da participação democrática, quer da materialidade constitucional, posto que os dois modelos propostos concentravam-se no argumento da "Constituição formal".

Com efeito, o primeiro colóquio, do senhor doutor professor Kafft Kosta, presidente do Tribunal Constitucional de Guiné-Bissau, trouxe-nos o atual modelo de formação estatal que se implanta naquele país e o cenário antropológico no qual se tenta, a todo custo, implementar um modelo jurídico estatal centralista e "democrático". Um dos gráficos apresentados procurava demonstrar a complexa teia social na qual se assenta a composição populacional guiné-bissauense; a constante mobilidade de pessoas para além dos limites da Guiné-Bissau, com a transposição de fronteiras com Senegal e Guiné, de já confrontou a idéia de territorialidade na aplicação do Direito, posto que, como se sabe, as fronteiras estatais africanas foram uma criação colonial e não refletem, de maneira alguma, o sentimento identitário das diversas formações étnicas ali existentes.

A "ciência" e a dominação do social

À partida: não existe tal coisa que se possa chamar "ciência" social ou humana. O que se pode observar é que a palavra "ciência" ganhou, na modernidade, um significado cultural útil na tarefa de oposição à cultura (um paradoxo); é, portanto, um construto social. Como seria possível afirmar que exista um qualquer "conjunto organizado de conhecimentos baseados em relações objectivas verificáveis e dotados de valor universal" nos estudos humanísticos e sociais? Como tal coisa poderia existir? Existe algo aplicável universalmente ao comportamento humano (imaginário, psicológico, identitário ou cultural)?

01 maio 2008

Ivan Lessa está "equivocado" sobre as eleições em Londres

Ivan Lessa mentiu em sua coluna. Ou mentiu ou esteve (completamente e deliberadamente) "equivocado". As eleições para prefeito em Londres foram, antes de tudo, muito barulhentas - e digo isso porque eu estive lá entre os dias 26 e 29 de Abril.

Se Ivan Lessa não tomou conhecimento dos protestos claros contra o racismo na composição da venerância daquele Município, isso é um problema pessoal (ou anti-social) dele. Mas dizer que as eleições passaram “em branco” é uma grave mentira e mais um ataque contra o espírito democrático. Não só haviam protestos, como haviam pessoas gritando nas ruas em defesa dos partidos que defendiam (na Liverpool Street, por exemplo?).

24 abril 2008

O projeto imperialista brasileiro nos países da CPLP

O último grande reboliço entre os países lusófonos foi causado pela recente proposta (indevidamente qualificada de "acordo") de alteração da língua portuguesa (LEIA MAIS). Não obstante o fato da língua evoluir naturalmente, o que existe por detrás desse artifício (portanto, medida artificial) é, antes de tudo, uma clara demonstração de força da Federação brasileira em relação aos seus países-irmãos lusófonos, que faz parte de um projeto imperialista brasileiro.

Com efeito, no mesmo passo da inclusão do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, caminham as ações de transposições culturais e comerciais brasileiras no estabelecimento de um domínio político não só em África, mas, também, em Portugal. A quem diga que isso é um processo natural da globalização e que não há mal algum nos interesses brasileiros em garantir seu espaço nessa nova conjuntura. Porém, não é que não existam males; a questão é outra. Trata-se da intrusão não só de um elemento cultural alienígena na cultura de outros povos (as novelas, a música, enfim, as artes), trazido pelo intercâmbio natural entre culturas, mas de uma ação deliberada de invasão e transformação das nações receptoras, num processo de localismo globalizado que pouco interage com os comportamentos e práticas dos países receptores. E o mais grave nisso foi o "acordo" para a alteração da língua portuguesa; os bastidores que influenciaram essa adoção são meramente comerciais.

Violência no Ceará e as medidas paliativas

A boa sabedoria popular adverte: é sempre melhor prevenir do quê remediar. Essa frase vem a propósito de alertar a população cearense aos males da atual gestão de segurança pública do Estado e à inapetência dos atuais administradores para verdadeiras mudanças na política de segurança pública desse Estado-membro.

De fato, a Sociedade cearense vem enfrentando a escalada da violência e da criminalidade; quando se somam esses dois fatores à pobreza e à falta de oportunidades econômicas, tem-se um cenário caótico que propicia o fortalecimento da extrema-direita e a adoção de políticas de segurança com viés fascista. Quando observamos a História, tendo olhos atentos, percebemos que a insegurança e a miséria sempre serviram de trampolim para a tomada de poder pela extrema-direita; qualquer dúvida sobre essa influência política nas Sociedades contemporâneas pode ser facilmente eliminada se forem observadas as últimas ou novas políticas de segurança pública que estão sendo adotadas mundialmente: legislações anti-terroristas, leis de vigilância eletrônica nos espaços públicos, projetos de inserção de micro-chips de identificação pessoal, desmantelo de princípios jurídicos elementares (devido processo legal, presunção de inocência ...) e de procedimentos investigativos (inquéritos policiais secretos, julgamentos fechados ao público, depoimentos mediados pela tortura ...) e toda sorte de práticas atentatórias ao Estado Democrático de Direito. Essas alterações provocam a desestruturação de Sociedades que têm por valores a cooperação, a solidariedade e a confiança entre os indivíduos.

22 abril 2008

"Libertem a Língua" - Por Boaventura de Sousa Santos

(Publicado na coluna Visão, em 17/04/2008)

"Sendo a ortografia uma pequena dimensão da vida da língua, seria legítimo esperar que não fosse necessário o acordo ortográfico ou que, sendo-o, pudesse ser celebrado sem dificuldade nem drama. No caso da língua portuguesa assim não é, e há que reflectir porquê. A razão fundamental reside no fantasma do colonialismo inverso que desde há séculos assombra as relações entre Portugal e o Brasil. Durante séculos, a única colónia com propósitos de ocupação efectiva no império português, o Brasil, foi sempre e simultaneamente um tesouro e uma ameaça grandes de mais para Portugal. Depois de um curto apogeu no séc. XVI, Portugal foi durante toda a modernidade ocidental capitalista um país semiperiférico, isto é, um país de desenvolvimento intermédio, desprovido dos recursos políticos, financeiros e militares que lhe permitissem controlar eficazmente o seu império e usá-lo para seu exclusivo benefício. Teve, pois, de o partilhar desde cedo com as outras potências imperiais europeias, e foi por conveniência destas que ele se manteve até tão tarde. A partir do séc. XVIII, Portugal foi simultaneamente o centro de um império e uma colónia informal da Inglaterra. À semiperifericidade de Portugal correspondeu a semicolonialidade do Brasil, tão bem analisada por António Cândido, a ideia contraditória de um país mal colonizado e superior ao colonizador, um país que resgatou a independência de Portugal e que, logo depois da sua própria independência, foi visto como uma ameaça aos interesses de Portugal em África. A relação colonizador-colonizado entre Brasil e Portugal foi sempre uma relação à beira do colapso ou à beira da inversão. Até hoje. É essa indefinição que torna tão necessário quanto difícil o acordo ortográfico. Do lado português, a posição ante o acordo assenta sempre na ideia de “rendição ao Brasil”, tanto para o aceitar como para o recusar. Em ambos os casos, o fantasma do colonialismo do inverso, em vez da ideia libertadora do inverso do colonialismo.

21 abril 2008

"História e Mundialização" - por Serge Gruzinski

Quais são as influências dos processos de mundialização e quais seus efeitos na cultura das nações e povos? Essas são duas perguntas das muitas que podem ser levantadas, a partir desta conferência que ora publicamos. Mais que atual, ela chama nossa atenção para o processo de globalização e traz observações imprescindíveis à compreensão dos movimentos de neocolonização e imperialismo contemporâneos.

Conferência do Prof. Serge Gruzinski, proferida no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 11/06/2007.



***
Serge Gruzinski: Ancien élève de l'École nationale des chartes, puis membre de l'École française de Rome (1973-1975) et de la Casa de Velázquez à Madrid. Directeur d'études à l'École des hautes études en sciences sociales depuis 1993, il s'intéresse aux colonisations de l'Amérique et de l'Asie, notamment aux expériences coloniales comme lieu de métissages et de naissance d'espaces hybrides et comme premières manifestations de la mondialisation.

Lex mercatoria versus Democracia

O "Fim da História e o Último Homem" de Fukuyama celebra o capitalismo como a síntese do conflito social humano -- seria isso verdade? Os economistas neoliberais decretam o fim do Estado e o surgimento de um mercado livre, de um comércio livre, num mundo globalizado -- seria isso prudente ou verdadeiro, quer dizer, existe algum mercado ou comércio "livre"? Qualquer ativista social deve seguir essas e outras (várias) indagações, com vista a perceber o que se passa no mundo contemporâneo e, assim, saber em que direção deve atuar por um mundo melhor, mais justo e mais responsável.

Com efeito, o estudo atento dos fatos políticos, econômicos e sociais dos últimos 150 anos demonstra que a diminuição do poder estatal é inversamente proporcional ao fortalecimento do poder do mercado (quanto menos Estado, mais mercado). Alguns autores alegam que as revoluções liberais e a implantação do capitalismo como sistema de produção trouxeram consigo as liberdades civis e políticas. Porém, isso é um fato que precisa ser analisado do ponto de vista prático, para que se deslinde uma falácia teórica: quando partimos para a análise da aplicação desses direitos de primeira geração, ela revela que o "jogo democrático" da democracia liberal não passa de um estratagema meramente jurídico-formal, fundamentado em abstrações ideológicas que esvaziaram o espectro de influência do poder social, substituindo-o pelo poder econômico. Assim, é possível e correto dizer que a lex mercatoria (lei do mercado) é um imperativo de regulação social que se impõe acima de todos os poderes sociais, posto que foi elevado à categoria de único caminho lógico -- constitui-se numa tautologia, indispensável ao funcionamento de qualquer Sociedade.

10 abril 2008

Debate: As perspectivas do novo império

(Este artigo foi reeditado, por conter imprecisões teóricas, em 14/04/2008.)

Primeiramente, devo considerar um dos pontos mais importantes na análise do artigo recentemente publicado neste blog, da autoria de Eduardo Magnani, intitulado "As perspectivas do novo império": se é verdade que os impérios chegam a um fim, é também verdade que suas principais características são a opressão e a hegemonia (na centralidade das decisões que emanam à periferia do império). Nesse aspecto, tanto faz que ele seja estadunidense, ou chinês, ou europeu; sempre será, acima de tudo, ilegítimo, autoritário, opressor e, portanto, anti-democrático.

Em segundo lugar, já que abordamos a questão das gerações, temos que nos lembrar daquilo que deixou nossos pais e mães desorientados: a ditadura militar brasileira do período 1964-1988, considerando que ela só acabou com a Constituição Cidadã. Isso porque, se falarmos em opressão e falta de direitos democráticos (liberdade de expressão e locomoção e etc), temos que nos lembrar que essa ditadura foi arquitetada, implementada e assegurada pelos órgãos de controle político e informação dos Estados Unidos da América - nomeadamente a Central Inteligency Agency (CIA). Com efeito, a recente política de abertura norte-americana, que assegurou o acesso aos documentos anteriormente qualificados como "top secret", revelou a interferência estadunidense nos golpes e ditaduras militares no Chile, Argentina, Brasil, Paraguai, Cuba (pré-Castro), Nicarágua, Guatemala, enfim, em todos os países latino-americanos durante a segunda metade do século XX.

09 abril 2008

As perspectivas do novo império

(Por Eduardo Magnani)

Analisando as tendências mundiais e acontecimentos recentes, considero importante um debate mais embasado em torno da China, isto porque talvez estejamos diante do país que em um futuro de médio a longo prazo ocupará o lugar dos Estados Unidos na ordem mundial e acabará por ser o “novo império”.

Obviamente, as chances são enormes de que eu não viva o suficiente para ver os chineses tomarem o lugar dos estadunidenses no palco internacional, inclusive as possibilidades são grandes de que nem mesmo meu filho possa presenciar este acontecimento. Esta afirmação anterior se dá pelo fato de que os Estados Unidos ainda possuem uma posição consolidada no âmbito mundial e tudo indica que sua decadência e desaceleração se darão de forma lenta e gradativa, o que logicamente levará muitos anos até a perda da hegemonia.

08 abril 2008

"Nem tudo o que reluz é verde" - Por Boaventura de Sousa Santos

(Publicado na Visão em 25 de Outubro de 2007)

"A questão ambiental entrou finalmente no discurso público e na agenda política, o que não deixa de causar alguma surpresa aos activistas dos movimentos ecológicos, sobretudo àqueles que militam há mais tempo e se habituaram a ser apodados de utópicos e inimigos do desenvolvimento. A surpresa é tanto maior se se tiver em conta que o fenómeno não parece estar relacionado com uma intensificação extraordinária da militância ecológica. Quais, pois, as razões?

"Ao longo das últimas quatro décadas, os movimentos ecológicos foram ganhando credibilidade à medida que a investigação científica foi demonstrando que muitos dos argumentos por eles invocados se traduziam em factos indesmentíveis – a perda da biodiversidade, as chuvas ácidas, o aquecimento global, as mudanças climáticas, a escassez de água, etc. – que, a prazo, poriam em causa a sustentabilidade da vida na terra. Com isto, ampliaram-se os estratos sociais sensíveis à questão ambiental e a classe política mais esclarecida ou mais oportunista (ainda que por vezes disfarçada de sociedade civil, como é o caso de Al Gore) não perdeu a oportunidade para encontrar nessa questão um novo campo de actuação e de legitimação.

01 abril 2008

A Doutrina de Choque: o advento do Capitalismo de Desastre

Milton Friedman, laureado com o prêmio Nobel de Economia (1976), defendeu a idéia de que os governos devem implementar medidas econômicas duras (consideradas necessárias ao livre mercado) todas as vezes que as populações fossem submetidas a choques de qualquer natureza (desastres naturais, guerras, golpes de Estado e etc.), de forma a aproveitar o estado momentâneo de desorientação a favor das medidas de liberalização da Economia (que são majoritariamente impopulares). A isso ele deu o nome de Tratamento Econômico de Choque (TEC): foi a receita principal de dezenas de governos ao redor do mundo, servindo para implantar a ideologia neoliberal da Nova Ordem Mundial.

17 março 2008

"Estratégia Continental" - por Boaventura de Sousa Santos

(Publicado na Visão em 13 de Março de 2008)

"Sobre a incursão do exército colombiano em território do Equador para eliminar um grupo de guerrilheiros das FARC parece estar tudo dito, tanto mais que é um caso encerrado e bem encerrado. Na verdade, assim não é. O que sobre ela se revela é tão importante quanto o que se oculta.

"Primeira ocultação: os processos políticos na América Latina estão a pôr em causa o controle territorial continental de que os EUA necessitam para garantir o livre acesso aos recursos naturais do continente. Trata-se de uma ameaça à segurança nacional dos EUA que, perante o iminente fracasso das respostas "consensualizadas" (comércio livre e concessões de bases militares), tem de ter uma resposta musculada e unilateral. Ou seja, a guerra global contra o terrorismo chega ao continente – chegou com o Plan Colômbia mas a "deriva" no Médio Oriente provocou algum atraso– e assume aqui as mesmas características que tem assumido noutros continentes: utilizar um aliado privilegiado – seja ele a Colômbia, Israel ou Paquistão – a quem ao longo dos anos se fornece ajuda militar e informação de espionagem sofisticada que o põe ao abrigo de represálias e lhe permite acções dramáticas de baixo custo e êxito certo; incitá-lo ao isolacionismo regional como preço a pagar pela aliança hegemónica. A guerra contra o terrorismo inclui acções de grande visibilidade e acções secretas. Entre estas estão os actos de espionagem e de desestabilização de que a Bolívia, a Venezuela e a tripla fronteira (Paraguai, Brasil e Argentina) são os alvos privilegiados. Na Bolívia, bolseiros norte-americanos da Fundação Fulbright são chamados à Embaixada dos EUA para dar informações sobre a presença de cubanos e venezuelanos e movimentos suspeitos dos indígenas enquanto os separatistas extremistas de Santa Cruz são treinados na selva colombiana por paramilitares.

11 março 2008

"Olhe essa - O Currículo escondido de Alvaro Uribe" - Blog do Mesquita

(Artigo publicado no Blog do Mesquita, em 10/03/2008)

"Enquanto os três patetas das Caraíbas, Cháves, Uribe e Correa, brincam de brigar, os países desenvolvidos lambem os beiços de satisfação pelo cada vez mais inviável Mercosul. A América Latina, sabe-se os que estudam geopolítica, é o território que abastecerá o mundo, em um futuro próprio, de água e comida. Portando, é mais fácil negociar “con los hermanos apartados” que com um bloco sólido.

"Ao mesmo tempo, nesta rusga de rôtos, o complexo industrial militar prepara as burras para as vendas de armamentos sucateados para os abestados e seus vizinhos.

"Mas, se você pensa que o Cháves é o único satanás desta história, veja aí abaixo, de acordo com o insuspeito Maierovitch, quem é “el señor” Alvaro Uribe." (Blog do Mesquita)

08 março 2008

A guerra das Drogas: a cocaína

(Com a colaboração de Jorge Vitor Marques)

Cocaína: sinônimo de destruição social e abismo humano. Sendo o "ópio da América Latina" e fazendo frente à heroína (substrato extraído da papoula asiática), esta droga se espalhou pelo globo como uma epidemia, principalmente nos EUA. Todas as vezes que se fala seu nome, uns pulam de medo e, outros, de euforia. O fato é que o pó branco andino "conquistou" o mercado de consumo de drogas norte-americano - mas isso não é uma história nova, nem curta, nem muito menos bonita (o que dificulta e coloca em risco a integridade deste post e levanta o véu de mais um tabu).

Toda cultura ou civilização tem a sua droga. Os europeus "descobriram" o álcool através da fermentação: os romanos apaixonaram-se pelo vinho; os vikings conseguiram o hidro-mel; os eslavos a wodka (da batata, da ameixa, ou da beterraba); os bretões, escoceses e irlandeses inventaram o whiskey (dos cereais), e por aí vai a lista. Os asiáticos tinham centenas delas: desde a cannabis sativa à poderosa papoula... O fato é que o uso de drogas, quaisquer que sejam, sempre cria problemas sociais; mas não podemos esquecer que o tráfico delas movimenta rios de dinheiro, e a própria Grã-Bretanha lucrou muito com o comércio do ópio asiático que viciava e matava milhares de pessoas na Europa.

05 março 2008

Sistema representativo

Para reforçar o post anterior contra a monarquia parlamentarista no Brasil, segue este:




Só para lembrar: o sistema representativo, seja parlamentarista, seja presidencialista, não é o único possível na democracia. Existe a democracia direta e participativa... Mas essa ainda tarda.

O irmão do Diretor da Polícia Nacional da Colômbia é narcotraficante

A contra-informação é uma das formas de se polarizar o debate, por meio da inserção de contra-argumentação aos fatos postos pela mídia comercial/convencional. A mídia convencional ou comercial sobrevive da venda de anúncios e propaganda de grandes empresas e corporações internacionais - quando não é controlada por elas, no mercado de ações. Assim, se não há descrédito imediato às opiniões ali depositadas, deve haver, pelo menos, certa margem para a dúvida e a desconfiança.

O recente incidente entre Colômbia (agressor) e Equador (agredido) fere todos os tratados de paz e assistência mútua assinados entre os países do grande Continente Americano. A política externa norte-americana começa a centrar sua força no solo Latino Americano, desgastada que estava a Casa Branca pelas guerras do petróleo no Oriente Médio. O discurso yankee muda de tom; antes, sua intervenção na Colômbia servia para combater o narcotráfico; agora, combate o terrorismo das FARC. Ora, os EUA nunca permitirão o nascimento de outra Cuba em solo ameríndio! E toda desculpa além disso é embuste. O bombardiamento (raid) do território equatoriano não é atitude ideológica (apenas): é ação atentatória ao Direito Internacional, constituindo-se em ato de guerra e violência que somente será obliterada por muita ação diplomática, nos próximos dias.

04 março 2008

Monarquia e Fascismo: o caso brasileiro

Necessariamente, não existem elos de ligação entre a Monarquia e o Fascismo; não há nenhuma indicação de que a forma de governo em questão traga associada a si a expressão do fascismo. Entretanto, uma recente entrevista do pretenso "canditato" a Rei do Brasil chama atenção pela existência de algumas expressões ambíguas - alguns poderão até dizer que foram infelizes. Senão, vamos observar alguns conceitos e sondar, analiticamente, o discurso do tal Rei da República das Bananas.

Contudo, antes de continuar, é preciso dizer que, ao contrário do que pensa o herdeiro da monarquia brasileira, o seu cotidiano não é igual ao dia a dia de mais de 10% da população brasileira (ou paulistana): 1) embora não receba laudêmio, é sustentado por outras pessoas, ou seja, o seu "pão nosso de cada dia" não é fruto de seu trabalho; 2) se mora em bairro nobre, pelo menos está minimamente a salvo da violência urbana e seus olhos não esbarram na miséria dos milhões de paulistanos que com ele co-habitam na grande São Paulo; 3) que lá se diga que as correntes evangélicas no Brasil são um absurdo, tudo bem, mas pensar que o catolicismo é uma espécie de religião melhor do que as outras... aí é demais!

03 março 2008

Eleições presidenciais 2008 (EUA) e as guerras do petróleo

A escolha presidencial norte-americana é um evento mais-que-importante para a geopolítica mundial. Deveriam participar desta eleição não apenas os cidadãos yankees, mas todos os cidadãos do mundo, tendo em vista a influência global deste país.

Embora muito se tenha a escrever sobre o modelo de controle político no liberalismo (de uma "democracia" representantiva), e ainda mais sobre um sistema político bi-partidário (no qual prevalece a escolha de profissionais políticos representantes de interesses corporativos/empresariais), existe um assunto mais urgente na agenda dos analistas políticos e ela está ligada à possível continuidade da atual política externa da Casa Branca.

A "Justiça" do crime organizado

(Com a colaboração de Jorge Vitor F. Maques)

Portugal assiste pasmo à notícia veiculada no jornal lusitano Público (Domingo, 03/03/2008), que dá a conhecer a justiça popular aplicada por membros de organizações criminosas no Brasil. A ausência do Estado e o descrédito da população fazem com que milhares de pessoas, nas grandes cidadas brasileiras, recorram a castigos e puniões contra fatos que são apresentados, julgados e executados perante organizações criminosas - como é o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.

Ora, então, vejamos. Não parece absurdo nenhum tal fenômeno. Nos bancos da Faculdade de Direito, o estudante é levado a crer que a Justiça pertence ao Estado - que deve ser de Direito, submetido ao princípio da legalidade e etc. Porém, embora isso possa ser correto, não coaduna com a verdade; a Justiça não se confunde com a função judiciária estatal, mas é antes um sentimento coletivo que é medido em função da resolução de conflitos e da convivência social. Somente no século XIX é que Justiça virou sinônimo de função judicária. A Justiça é praticada dia a dia pela população, e há um equilíbrio quando esses atos cotidianos são exercidos com civismo e atendendo aos costumes sociais, e um desequilíbrio quando começa a imperar o mal estar entre os cidadãos e a revolta.

25 fevereiro 2008

O novo estado do Kosovo

O título acima tem uma intenção oculta, e esta revela uma crítica acerca do movimento separatista que estabeleceu uma nova formatação jurídico-política na região sul da Sérvia. Sendo certo afirmar que aquela região sempre foi a fronteira de conflitos entre a Europa e o Oriente Médio, o novo estado em que se encontram aquelas populações não deixa de ser precário em função da ingerência externa que fulmina a sua organização sócio-política interna.

Em outras palavras, o novo Estado do Kosovo já dá os primeiros passos com os pés atados; a organização não-governamental CMI (Crisis Management Initiative), controlada por Martti Ahtisaari, já determina quais são os objetivos concretos a estabelecer no Kosovo: isso significa que, esse novo Estado será o palco no qual as forças econômica européias aplicarão um modelo de governance. Ora, temos aí uma "palavrinha mágica". Governance é, em poucos termos, uma administração indireta efetuada ao arrepio da participação democrática; o seu goal é criar condições para a acumulação de capital que favoreça os interesses de investidores internacionais, sob a desculpa de inserir um determinado país no contexto da economia de mercado global. Quem pesquisa este campo nas relações internacionais e quer para investigar essa nova forma de colonização (altamente sofisticada, pós-industrial), deve analisar as duas recentes reportagens do The Economist: a primeira (clique aqui) tenta dar um retrato geral da governance que está a se estabelecer no Kosovo - define quem são os principais atores e a estratégia assumida (cirurgica, limpa); a segunda (clique aqui), fala do papel da atual presidência eslovena da União Européia, que deverá ser desempenhado com vista a preservar os lucros que poderão advir daquela "bem-planejada" emancipação (sic) - e mais uma vez, os recursos minerais presentes naquela região estão a mercê do apetite energético da União.

Tanto mar...

(Com a colaboração de Pedro Figueiredo)

Existem momentos memoráveis que nos vem ao tampo da garganta e nos traz lágrimas aos olhos. É evidente que o passado (essa idéia humana acerca do tempo) não tem o mesmo valor a todos; é puramente subjetivo. Porém, em determinados casos, a identidade que se firma entre pessoas de um grupo ou Sociedade fazem parte do imaginário popular.

Já lá vão os anos da Revolução dos Cravos em Portugal, contra o regime salazarista, e do Movimento das Diretas Já contra a Ditadura Militar brasileira. Entretanto, ainda há muito por fazer; os esquemas de poder e corrupção não mudam apenas através da troca do titular ou titulares dos cargos públicos, mas antes precisam ser alterados pela via da conscientização dos povos. E a mensagem mais verdadeira é também a mais simples; é aquela que toca nossos corações.

16 fevereiro 2008

Flexigurança (flexicurity): o diálogo social no outro lado do espelho

As entidades patronais e a Comissão Européia elaboraram recentemente o Livro Verde sobre o Emprego na União Européia. Tal documento é uma carta de intensões contendo um estudo monetarista do mercado de trabalho europeu e um conjunto de "soluções" ao problema da competitividade européia.

Com efeito, desde o Tratado de Maastricht (1992) que a União vem sinalizando uma tendência profundamente neoliberal de, a longo prazo, implementar um mercado interno que seja suficientemente liberalizado para atender ao grau de competitividade no comércio internacional que faça frente às economias japonesa e norte-americana. Isso quer dizer que o pacto social estabelecido pelo plano Monet/Schuman "vai por água abaixo" e varre consigo o modelo social europeu. Dizendo de outra forma, não há mais interesse político em sustentar os resquícios do Estado Providência que ainda reverberam nos países da Europa continental, que vão paulatinamente aderindo ao modelo anglo-saxão de regulação das relações de trabalho.

15 fevereiro 2008

Erro de projeto: Parque de Feiras, no Ceará

O governo do Estado do Ceará, encabeçado por Cid Gomes, está em vias de cometer seu primeiro grande erro político. Trata-se da construção do pavilhão de feiras de eventos do Município de Fortaleza, Estado do Ceará que, embora seja construção mais que necessária, não está respeitando os estudos de impacto ambiental e social que clamam por uma escolha mais razoável da localização do complexo de prédios em questão.

Com efeito, o Governo solicitou um estudo técnico para a construção que, após ter custado US$ 1 milhão, orientou a administração pública a construir os prédios no Poço da Draga, região próxima ao centro cultural Dragão do Mar. Sim, somente o estudo custou um milhão de dólares. Entretanto, algumas considerações devem ser efetuadas sobre este assunto. Primeiro, quando existe uma soma vultosa de investimentos estatais, não existe erro de projeto; existem interesses econômicos que costumam favorecer determinados grupos de pressão (lobistas). Segundo, os investimentos estatais devem ser feitos de forma coerente (do ponto de vista econômico), mas precisam respeitar outras normas e interesses sociais e, neste caso, sócio-ambientais. Isso para dizer que deslocar o Parque de Feiras às adjacências do bairro Edson Queiroz demonstra o claro e inequívoco objetivo de aumentar o valor venal dos imóveis comerciais e residenciais que ali estão instalados.

Por tudo isso e mais alguma coisa, fica aí um recado: já havia chegado a hora de haver maior transparência e lisura nos projetos estruturais no Estado do Ceará. Este tipo de atitude só vem a reforçar a crítica de que os dirigentes estatais agem desvinculados das reais carências e impedimentos racionais associados; isso revela as atitudes "de agenda" que se incorporam às atividades de incentivo e desenvolvimento que se requerem dos agentes públicos.

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