09 dezembro 2008

O novo Brasil de Lula

Todas as vezes que a mídia nacional estiver empenhada em algum assunto, desconfie: há uma agenda por detrás dessa motivação. Tendo em vista que os ataques sobre o atual governo aumentaram vertiginosamente nos últimos meses, convém salientar o seguinte: entramos no período das campanhas presidenciais. Por isso, convém fazer um balanço dos últimos 13 anos, para se verificar o que pode vir por aí.
  • A Herança de FHC (PSDB)
Fernando Henrique Cardoso é o antecessor do atual Presidente. Durante os seus 08 anos de mandato, de 1995 a 2003, o Brasil e o mundo puderam assistir ao mais bem elaborado plano de privatizações jamais levado a cabo no continente americano. Ainda, foi a cúpula de intelectuais políticos de FHC que condiziu o Congresso Nacional à aprovação de emenda constitucional instituidora da reeleição ao cargo de Presidente da República. Porém, tanto os processos de privatizações, quanto a aprovação da "emenda da reeleição" foram fatos marcados por escândalos políticos, quer na compra de votos de parlamentares à aprovação da infame emenda, quer no sub-faturamento e sub-avaliação das empresas a serem privatizadas.

Durante esse período e diante de todo tipo de dificuldade operacional, a Polícia Federal brasileira conseguiu abrir inquéritos contra os políticos do PMDB envolvidos no escândalo do Opportunity Found. No caso S.I.V.A.M., alguns oficiais das forças armadas brasileiras conseguiram alertar contra os perigos de se colocar o monitoramento da Amazônia nas mãos da empresa norte-americana Raytheon, pelo simples fato de que isso poderia comprometer a segurança nacional. Convém ainda dizer que, de Janeiro de 1995 a Abril de 2002, a dívida externa brasileira foi quadruplicada: isso significa que no Governo de FHC (PSDB) a dívida passou de R$ 153,4 bilhões para R$ 684,6 bilhões (4,46 vezes mais dívida).

Por isso, é mais que correto afirmar que o Estado brasileiro estava completamente subserviente às diretrizes do Consenso de Washington e obrigado pelas cláusulas dos acordos do F.M.I. durante o governo do PSDB. O neoliberalismo tinha chegado ao seu extremo, e até as classes tipicamente reacionárias já não estavam dispostas a ceder diante da concentralização do Poder no Palácio do Planalto -- como ilustra a campanha midiática contra as intermináveis e irremediavelmente reeditáveis medias provisórias que transformaram o Executivo num Novo Legislativo.
  • O difícil começo de Lula (PT)
As eleições presidenciais de 2002 foram marcadas pela esperança de milhões de brasileiros por uma reestruturação da política social. Nesse período conturbado, o antigo discurso demagógico -- centrado num conjunto de promessas irrealizáveis ou incompreensíveis -- foi substituído pelo discurso da autonomia e da auto-afirmação. O que isso quer dizer?

Isso quer dizer que houve uma promessa de um novo pacto social, isto é, a futura conformação política propunha uma mudança paradigmática na condução da res publica. Ora. Mas tal promessa por si só era desncessária, tendo em vista que a base e a coalisão partidária que concorria contra o PSDB, por si só, já traria uma remodelação ampla no gabinete presidencial. Em outras palavras, a eleição do PT e a alternância de partidos no Poder já era uma mudança positiva, por si mesma.

O que foi trágico para o novo governo eleito (e re-eleito) foram dois movimentos internos e simultâneos: 1) a aliança política entre PT e PMDB no Congresso e 2) a cisão do PT com alguns setores internos do próprio partido. Mas essas eram conseqüências naturais da nova formatação governametal, por dois motivos: 1º) a esperança de mudanças depositada no PT se restringiu basicamente ao Executivo, enquanto os grandes caciques políticos continuavam a angariar votos no Legislativo; e 2º) o projeto da esquerda não era uníssono, vez que todos os tipos de pensamentos e correntes de esquerda tiveram que se unir em torno do projeto de mudança política levada a cabo em 2002.

Contudo, mesmo diante dessas dificuldades, nestes últimos 05 anos, o Brasil passou por mudanças estruturais e políticas profundas. Uma das mais importantes, senão a maior delas, foi o fim da dependência/subserviência do Brasil ao F.M.I. A importância desse fato é extrema, vez que pela primeira vez o Brasil pode levar adiante algumas reformas sociais que haviam sofrido reveses, desde a aprovação da Constituição de 1988.

Some-se a isso uma prudente e bem encaminhada política externa do Itamaraty, que soube aproveitar a mudança política brasileira para elevar o conceito do País em nível internacional. Ainda, além do sucesso de algumas políticas econômicas que haviam sido elaboradas no governo anterior e que favoreceram a grande indústria e os grandes bancos, novas políticas foram direcionadas às pequenas e médias empresas. Não só: medidas sociais intervencionistas proporcionaram o aumento do número de pessoas na classe média trabalhadora, ou seja, houve mobilidade social, com a ajuda dos programas de rendimento mínimo e auxílio familiar.

Isso tudo proporcionou o acesso de milhões de brasileiros ao ensino superior, à melhoria na alimentação diária e à melhoria na qualidade de vida das classes menos favorecidas. E, como era também natural, a mídia (e os setores mais bem remunerados da Sociedade) começaram a atacar o governo, classificando-o como populista. Entretanto, é correto pensar que, se o atual governo é populista (pois favorece o povo), é também correto pensar que os governos anteriores eram elitistas (pois favoreciam as elites). E nessa lógica reside a força e a aceitação do atual Governo.

A razão para esse comportamento populista do Governo Lula é simples: os titulares dos cargos públicos e os demais chefes de gabinete estavam todos comprometidos pelo discurso de campanha (comprometidos pelo, e não comprometidos com). Esse comprometimento dificultou toda tentativa de desmonte social ou medidas impopulares -- qualquer ação contra esse discurso seria a ruína imediata do Governo. E foi por isso que o Governo Lula conseguiu sobreviver quase intacto ao escândalo do Mensalão e a outros -- coisa que poucos ou nenhum dos analistas políticos da direita tradicional conseguiram entender.

No geral, importa dizer que a vitória de Lula representou um fortalecimento da classes trabalhadoras e, consequentemente, da Democracia. Sobretudo porque era mais que necessário eleger um representante público de origens humildes e com passado sindical, com vistas a salvar o próprio sistema representativo democrático. Na altura, não havia outra solução para evitar o surgimento de um "Evo Morales tupiniquim" -- talvez por isso não tenha havido um golpe da direita brasileira. Ainda, mesmo que o PT tenha quebrado a sua promessa enquanto partido político, essa vitória representou o fortalecimento do poder de barganha das classes populares, e o ponto alto desse fenômeno é o surgimento do PSOL e da reafirmação dos valores socialistas e comunistas em alguns partidos menores, no cenário nacional.
  • As próximas eleições
O que fazer para não assistir a um retrocesso e, sim, uma evolução do atual estágio da política brasileira? O primeiro passo é garantir uma alternância no Poder. É, para dizer o mínimo, "(...) retroceder um passo, para avançar dois". Compreender as origens do problema já é o primeiro passo nesse sentido.

Ao redor dessas desventuras políticas está um sistema representativo construído para favorecer uma elite ou um número reduzido de pessoas com acesso à riqueza. Lutar contra essa estrutura (sem o derramamento de sangue) requer estratégia, calma, prudência e paciência. Tendo a consciência de que esta semente já está plantada, a próxima atitude não pode ser a de contemplação (jamais!), mas uma ação de base junto às classes menos informadas, que maximize o efeito multiplicador das bases políticas pós-1988.

Tendo em vista as dificuldades de inserção e divulgação dos planos de governo dos partidos de esquerda menores, um dos principais objetivos da esquerda fragmentada deve ser o Congresso Nacional: inserir um maior número de parlamentares, para garantir a governabilidade do País sem as atuais alianças com a direita tradicional (DEM, PMDB e etc.). Havendo um maior número de parlamentares de partidos com PCB, PCdoB, PSOL e outros, haverá menor risco de corromper as reformas sociais em andamento e as que ainda restam por fazer. Por isso, é mais que necessário saber que as mudanças estruturais se operam a longo prazo, e saber isso significa direcionar investimentos e energias na mais deficitária área de atuação da esquerda brasileira.

Uma nova atitude também deve ser requerida dos intelectuais que dividem suas opiniões na mídia não-convencional. Não se pode esquecer que apenas 20% da população brasileira acessa a Internet -- e esse índice não comporta a grande maioria dos excluídos sociais, com certeza. Ao que tudo indica, a dispersão dessas idéias deve ser efetuada em outras mídias e outros espaços, sem as quais todo esforço ideológico será fútil e infrutífero.

Finalmente, uma das mensagens mais importantes que devem ser difundidas é que toda mudança é uma vitória. Para isso, precisamos entender o que significa "mudar" e o que é "vitória", mas essas concepções axiológicas devem ser preenchidas dentro de contextos específicos -- o que vai requerer reflexão e flexibilidade dos ativistas empenhados nas próximas eleições.

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