16 junho 2010

Em busca (de vestígios) do Socialismo brasileiro

O Socialismo surgiu como uma narrativa crítica ao contexto de exploração capitalista europeu. Desde sua conceituação utópica, até as influências analíticas que o transformaram numa disciplina de análise econômica, muitos foram os teóricos que se debruçaram diante da temática "injustiça social de natureza econômica". A influência do socialismo enquanto escola prático-teórica é claramente sentida na estruturação da Social-democracia europeia, cujos reflexos se fizeram sentir na redação dada à Constituição brasileira de 1988 - e é essa influência que pretendo comentar.

A priori, precisamos compreender que o Século XX foi um período dinâmico e fértil no campo da política / ideologia: o nazismo (Nationalsozialismus), o fascismo (de Salazar, em Portugal; de Franco, na Espanha; de Mussolini, na Itália; de Hiroito, no Japão) como expressão do poder da direita (elite capitalista); o capitalismo de Estado / comunismo (de Stalin, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; de Mao Tsé Tung, na República Popular da China). Mais recentemente: o intervencionismo militar ao redor do globo, por meio do neoconservadorismo norteamericano (de Ronald Reagan e George Bush); a hegemonia russa em parte do leste europeu e Ásia (de Mikhail Gorbachev); da influência israelense no Oriente Médio e o surgimento do fanatismo islâmico como forma de resistência e, ao mesmo tempo, alternativa contra a influência ocidental.

Durante aquele século, as tecnologias de comunicação foram intensificando os contatos entre os povos de tal forma, disseminando idéias e novas formas de estar/conviver, que hoje temos essa aldeia global exatamente como reflexo desse avanço. A mídia (o meio) ajudou não só a disseminar essas idéias, mas sobremaneira, estabelecer padrões valorativos que se exprimiram por meio de práticas totalitaristas, das quais a mais conhecida é a política da Guerra Fria - como conseqüência natural da luta neoimperialista entre norteamericanos e soviéticos.

E o que a Guerra Fria tem a ver com a Constituição da República Federativa brasileira de 1988? Como explica a história, a Guerra Fria tinha como um dos principais pilares argumentativos a defesa da democracia e da liberdade de expressão. Além disso, as crises sociais européias e a necessidade de proteger aquele espaço territorial contra o avanço do então-chamado "comunismo" fizeram com que se construisse um modelo de proteção social (de bem estar social), que fosse capaz de justificar a continuidade do modelo de produção capitalista.

Neste ponto, quem estuda / estudou Direito Constitucional já "matou a charada". A Guerra Fria teve uma influência tremenda sobre a "nova" Constituição brasileira, visto que, além de trazer de volta a retórica democrática, trouxe também o fim da censura, uma maior intervenção do Estado na Economia (pela via do bem estar social), e assim por diante. Essas mudanças, que equilibraram a livre iniciativa com os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV da CF/88). O resultado disso é um equilíbrio entre o liberalismo e o socialismo: um país capitalista que investe e protege o bem estar social; os reflexos disso encontram-se esparsos na Constituição, mas podem ser encontrados em algumas áreas bastante específicas, como no capítulo II do Título II e na Ordem Econômica Constitucional, a partir do art. 170.

Mas o que tem a ver Social-democracia com Socialismo? Esta pergunta é mais complicada de ser respondida, pelo que é necessário apelar à boa-fé do leitor: tudo. Ela foi uma proposta de equilíbrio, e como tal, tentou congregar a propriedade privada dos meios de produção, de um lado, com a melhoria das condições de prestação do trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores, de outro. Qualquer dúvida, é só fazer uma comparação entre o "decálogo" (os dez itens da 2ª parte) do "Manifesto do Partido Comunista" de Karl Marx, de 1948 e o art. 5º e 6º da Constituição Federal; os pontos em comum seriam: desapropriação da propriedade latifundiária improdutiva (função da propriedade privada), imposto progressivo (sobre as grandes fortunas, sobre a propriedade urbana desabitada ou não-ocupada), políticas de fomento e assistência estatal para o desenvolvimento social, luta contra a discriminação entre trabalhadores rurais e urbanos, educação pública e gratuita às crianças e a proibição do trabalho infantil.

Sem dúvida, existe grande influência da perspectiva socialista na social-democracia. Embora esse perspectiva política tenha representado pouco mais que uma espécie de propaganda (no sentido preciso da palavra), foi um alento à população brasileira, no sentido de apresentar uma alternativa ao capitalismo selvagem que perdurou até o fim da ditadura militar 1964-1986.

Entretanto, ultrapassado o antagonismo existente entre norte-americanos e soviéticos, com o fim do muro de Berlim e a queda do modelo stalinista, a social-democracia vem se convertendo em neoliberalismo, não só em seu nascedouro europeu, mas na foz latino-americana, nomeadamente, no Brasil. A crise política identitária, que se traduz na ausência quer de uma direita, quer de uma esquerda bem definidas, é o reflexo do desmonte do Estado de bem estar social, pelo desaparecimento ou desnecessidade de uma social-democracia.

Portanto, o que se observa é o desaparecimento paulatino da retórica socialista, em substituição ao vazio argumentativo de um Estado regulador e não-interventor. Essa nova fase não é confusa, é de transição, e aos "pensadores novos" (os jovens, estudantes), compete redescobrir um caminho alternativo, socializante, integrador, justo e solidário, capaz de vencer os desafios da nova ordem mundial. É preciso reinventar o socialismo, desta feita, "à brasileira".

2 comentários:

. disse...

Legal ver que você voltou a escrever, faz tempo desde seu último texto.

No parágrafo 3, a palavra "foram" está repetida.

Antônio T. Praxedes disse...

Obrigado, Leo.
Corrigido.

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