25 junho 2013

Considerações sobre a mobilização das massas no Brasil - por Newton Albuquerque

Os eventos de mobilização de massas no Brasil estão a nos cobrar uma reflexão mais exaustiva, fugindo dos impressionismos e das abordagens unilaterais. A Academia - não a dos músculos brandidos pelos policiais e agentes provocadores - precisa se deter nas expressões contraditórias que se aninham no bojo das manifestações de massa que tem ocorrido.


De um lado percebe-se nitidamente um esgotamento da representação, pelo menos em sua feição liberal clássica, engolfada pela torrente do Capital e dos processos de financiamento eleitoral que tudo constrange e uniformiza. Os partidos, quase sem exceção, incluindo aqui o PT, genuflexa perante as construtoras, as grandes empresas, os banqueiros, as imobiliárias, etc, buscando a grana para o azeitamento das campanhas, cada vez mais "profissionalizadas", cabendo aos militantes um papel mirrado, de tarefeiros acríticos á soldo de estruturas institucionais de candidatos, Vinculação subalterna que adultera os programas de esquerda, rebaixa seus horizontes de ação ao nível da "administração do cotidiano", onde o que prepondera é a racionalidade dos "ganhos parciais", da "melhoria de vida" encerradas na narrativa triunfante do capitalismo global. Pior preso a uma visão legitimadora do consumismo e do ideal medíocre, esquálido do ponto de vista cultural e estético de se tornar "classe média". Daí o esgarçamento, cada vez maior, entre as expectativas dos recém integrados a sociedade e a frágil elaboração civilizatória de alternativas para além da brutalidade da sociedade de mercado. A juventude em especial, apesar da dispersão atomizadora, das apreensões de mundo fundadas no desejo individualista, sente-se esmagada, pressionada em sua existência pelas retortas da uniformidade e do controle asfixiante de um capitalismo devorador do "tempo livre" e da expressão autêntica da personalidade. Tendências mórbidas que não são contrarrestadas por nenhum partido ou movimento tradicional, dada a assimilação pragmática dos mesmos à ordem, ou seja porque a "tribalização moral" de suas reivindicações não cabem em lógicas propriamente institucionais como são os partidos. Nesse sentido, a especificidade da categoria juventude nos lança desafios, requer criatividade para repensar dimensões utópicas que a motivem. "O amor que teme pronunciar o nome" praticado pelas burocracias de determinados setores de esquerda, traveja o desenvolvimento do socialismo, de sua dimensão libertária, da revisitação dos fundamentos ético-políticos do comum. Isso explica um dos fatores da mobilização, mas parece-me que há outros motivos, razões que o explicam que também não podem ser desconsiderados.

Um outro aspecto, a meu ver, tem a ver com a "desilusão" trazida pelos megaeventos urbanos em que se veiculou a crença de que investimentos vultosos catapultariam as cidades, sua gente ao "Primeiro Mundo", produzindo melhorias generosas na qualificação do espaço urbano, na ampliação dos serviços, das ruas, dos transportes, etc. A compreensão que isto não correria gerou um furor cívico na sociedade, particularmente junto àqueles mais suscetíveis a ideologia do 'urbanismo de exceção", dos adeptos da supremacia dos milagres da técnica, das virtudes intrínsecas da modernidade, notadamente em relação a nossa classe média. Tal descompasso trouxe à tona a inviabilidade do plano modernizador, da perpetuidade de nossas mazelas endêmicas que vão desde a insegurança, passando pela precariedade das malhas viárias, dos sonhos "civilizadores" de nos tornarmos uma espécie de Barcelona tropical.

Creio que outro aspecto está relacionado a dinâmica mobilizante de um conservadorismo protofascista que dialoga com as ondas longas do autoritarismo nativo em que o hipermoralismo é apenas a ponta do iceberg do sentimento de repulsa de setores médios, pequeno-burgueses, a "insignificância" de sua função política, social e cultural, após o desplugar das classes trabalhadores de sua direção mais direta. Segmentos da vaga "classe média" que não aceitam ter perdido o protagonismo de sua influência sobre as eleições, nem de figurar como o alvo preferencial das estratégias do país, inclusive no âmbito cultural. A ênfase nos governos Lula/Dilma no "pobreletariado" - como menciona André Singer em seu "Sentidos do Lulismo"- ao mesmo tempo que favorecia o incremento dos ganhos e lucros do empresariado, trouxe a classe média um sentimento de abandono, de secundarização social. Agora seus jovens ao envergar a simbologia do nacional buscam resgatar sua importância, secretando sua revolta, exprimindo seus códigos normativos e valores centrados na exemplaridade da moralidade privada como modelo para a política.

Não tenho a pretensão de apreender toda a realidade, sempre mais complexa e diferenciada, nem pretendo ocupar o lugar dos "cientistas políticos" mais versados no assunto, mas apenas de contribuir para o debate em meio a tantos desencontros, tateios e perplexidades. O fato é que precisamos nos debruçar sobre esses eventos para melhor compreendê-los, disputar sua hegemonia atualmente conservadora, e ajudar a que se dirijam mais à esquerda. Como mais à esquerda precisam ser deslocados o PT e os órgão de representação dos trabalhadores e do povo. O Brasil precisa retomar o veio das mobilizações sociais contra o Capital, recolocar no centro o debate sobre estratégia socialista, aprofundar a democracia.

Newton de Menezes Albuquerque possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1993), mestrado em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (1999) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2001). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade de Fortaleza, professor adjunto da Universidade Federal do Ceará e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. Atua principalmente em Teoria do Estado Direito Internacional e desenvolve pesquisas com os seguintes temas: sociedade internacional e soberania; Estado nacional e democracia no Brasil e direitos fundamentais.

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