29 junho 2015

LGBT, nossa causa comum

Dia 24 último, no lúcido “Ponto de Vista” sobre a tumultuada sessão da Câmara Municipal que retirou do Plano Municipal de Educação a recomendação de os professores serem formados para ajudar a pacificar diálogos, superar preconceitos, discriminações, violências sexistas e homofóbicas no ambiente escolar, o jornalista Henrique Araújo afirmou com razão que voltamos muitas casas no tabuleiro. E concluiu: ‘uma sessão para esquecer’. De modo algum. Na verdade, estou solicitando a gravação da sessão. É um sólido documento de sociologia, ciência política e filosofia que abreviará muito de meu esforço didático quantos aos conceitos de modernidade liberal, esclarecimento, laicidade e secularização em face dos dogmatismos de matizes obscurantistas não apenas, mas sobretudo religiosos.
 
(Foto: Rafael Lobato Pinheiro - Centro Cultural Dragão do Mar, 28/06/2015)
 
É preciso mais que não esquecer. Devemos atentar às falsas oposições que envolvem lutas emancipacionistas de minorias. No caso especial do combativo movimento LGBTT, tem-se acusado os evangélicos neopentecostais (teólogos da prosperidade, neoliberais radicais em matéria econômica) de fundamentalistas em contraste ao vento ‘renovador’ que sopra das batinas do Vaticano mundo afora. Ledo engano: são avesso e direito de um só front, apenas.
 
No mesmo dia, li a notícia de que o Instrumentum Laboris, documento de trabalho que será usado como referência para o Sínodo dos Bispos (o chamado ‘parlamento’ da Igreja Católica) em outubro próximo, afirma que ‘o casamento heterossexual é a base indispensável para a formação integral da criança’ e mostra o recuo diante de texto preparatório que teve sua linguagem modificada após bispos mais ‘conservadores’ eliminarem trechos muitos receptivos aos fiéis gays. Não é mera coincidência nem mera semelhança. É antes, um único e granítico fundamento: o poder pastoral inconformado com o fim da tutela sobre mentes e corpos e assombrado com seus próprios demônios libertários.
 
Somos todos responsáveis por esse estado de coisas. Ao não enfrentarmos de peito aberto os valores da tradição cultural machista, racista, sexista e classista, deixamos, aqui e alhures, o discurso moral e religioso para a direita resiliente e cada vez mais ressentida. Nós a alimentamos com nossa tolerância de ‘pluralistas sensatos’ que habitam uma ‘praça pública desnuda’ de valores numa sociedade voltada apenas para o bem-estar material e ‘sem sentido espiritual’. Mais um equívoco: abandonar a si mesmo o discurso religioso na política acreditando que dele se poderia utilizar e descartar ao bel-prazer das conveniências. Erramos ao impedir que se pusesse à luz o concreto-empírico moral que anima as religiões exortando-as a uma depuração civilizatória, amparada na ideia da liberdade pessoal e da igualdade, essas nossas incompreendidas.
 
Pobreza, racismo, desigualdade, falta de assistência médica, desemprego, não são combatidos apenas com argumentos utilitários; para converter almas urgem profundas mudanças no coração e nas consciências. Se disso não cuidamos, a catástrofe bate a nossa porta, como salientou Araújo.
 
Arrisco dizer: a causa LGBTT hoje galvaniza todas as causas seculares: a da negritude, da infância e adolescência, do feminismo, da fome. É talvez a única que consegue unir adversários aparentemente opostos numa mesma trincheira, permitindo-nos identificar os inimigos comuns. Perdida essa batalha podemos realmente perder a guerra.
 
Como mulher sei bem qual é a tradição da sagrada família, arre. Não quero voltar no tabuleiro. Como professora apelo aos colegas da rede municipal: os trechos foram suprimidos apenas do PME. As salas de aula ainda são nossas(?). E o futuro também. Tenham fé.
 
***
Publicado na coluna "Opinião" do Jornal O Povo, em 28/06/2015.

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