29 julho 2015

Caçadores de grandes narrativas perdidas

Há cerca de cinco décadas tornou-se lugar comum nos círculos acadêmicos humanísticos nascidos em solo europeu, espalhando-se rapidamente para as Américas, uma ácida crítica ao que se chamou de ‘metanarrativas’. Num evidente esforço por manterem-se descolados das chamadas ‘ciências da natureza’ dominadas pela ‘razão instrumental’, os defensores dessa crítica anunciaram o fim da era das grandes narrativas e tinham como alvo as ontologias do século XIX, muito especialmente o marxismo, dado o choque causado pelas descobertas das atrocidades cometidas pelo regime soviético sob a batuta stalinista.

Então, não apenas o fascismo nazista produzia o horror? Utopias emancipacionistas também produziam barbárie como um seu corolário, desde que atreladas a uma visão totalizante e abrangente do universo físico e da natureza humana portadora de finalismos ‘fatalistas’. Depois das crises sistêmicas da economia de mercado no início do século XX, também o liberalismo econômico perdera prestígio de modo contundente, restando apenas a aposta num liberalismo de costumes e de lutas em torno de causas pontuais e grupos específicos. Assim, todos os produtos sofisticados do iluminismo europeu, o historicismo dialético, materialismo, idealismo, são igualmente jogados na lata do lixo com todas as convicções e certezas profundas. Era das incertezas, indeterminação, fim das ideologias, desconstrucionismo, desterritorialização e outros conceitos tornaram-se comuns na cena acadêmica.


O tema amplo dos Direitos Humanos quedou assim como valioso expurgo dos tempos idos ao qual velhos teimosos e novos combatentes puderam aferrar-se com afinco prometeico.

Nietzsche, o profeta sem morada, já alertara para o grande feito do qual os ‘homens bem-pensantes’ de seu tempo não tomavam consciência dos efeitos: a ‘morte de Deus’. A ausência do grande eixo firmador e da harmonia redentora ao final nos revolveria a um processo de eterno retorno do mesmo, insuportável para a maioria dos homens, sedentos de metafísicas protéticas para suportarem suas existências medíocres.

É certo que, como diz o italiano Agamben, deus não está morto: ele tornou-se dinheiro. Com crises econômicas em todas as latitudes se sucedendo insistentemente no fim-começo do milênio, sem que nenhum programa de saída consistente se apresente, eis que, como que por ‘milagre’, numa muito bem urdida estratégia política, uma velha e poderosa metanarrativa se apresenta com ares de grande novidade, capturando a semiótica disponível em todos os descontentes: o antirrelativismo. Quem sempre pretendeu ter a Última e Verdadeira Palavra agora aproveita o vácuo e oferece uma passagem de volta aos braços de uma lei natural que esconde o nome de ‘Deus’ através das lutas seculares, de modo seletivo e até agora com pleno êxito.

Ninguém levou Cazuza realmente a sério quando, do meio da orgia consumista secular, bradou aflito: ideologia, eu quero uma pra viver. O poder pastoral ao contrário soube ouvi-lo claro e bem. Amém, companheirada?

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Publicado na coluna "Opinião" do Jornal O Povo, em 26/07/2015.

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