03 agosto 2007

Pela desemplastificação do humanismo

O homem foi emplastificado, portanto vivemos numa sociedade de plástico; essa é uma frase pertencente ao esquema lógico-cartesiano (verdade = autenticidade). Mas convém verificar se a decomposição daquela afirmativa pode resultar no entendimento do homem como resultado de uma sociedade plastificada.

A plasticidade do humanismo reflete-se nos contatos entre as pessoas: o sexo virtual, ou sexo seguro, que é o sexo sem sexo; a bebida alcoólica que não embriaga, porque não contém álcool; o adoçante, que é o açúcar sem açúcar... Ainda existem outras categorias, como a das relações destrutivas: o carro de 198 cilindradas, que gasta muito combustível fóssil para se locomover, num mundo aonde o petróleo está em vias de escassez; a indústria poluidora, num meio ambiente fadado à destruição e assim por diante.

As transformações que decorreram ao longo da história das relações sociais (locais, regionais, nacionais e internacionais) provocam agora uma nova torção no espaço-tempo humano, seja pela visão panorâmica do mundo [Boaventura] e do homem, seja pela nova interpretação verdadeiramente livre do mundo através dos meios de comunicação em massa [Chomsky], mas todas elas através de uma nova representação do mundo: a hiper-realidade [Baudrillard; Boaventura].

O maior pesadelo simbólico da humanidade é a conversão do real em hyper-real, do mercado em super-mercado, do Estado em sociedade global. A vida numa hyper-sociedade ultrapassou os critérios antagônicos, pela incorporação de todas as características do contraditório (a negação), e impossibilitando a criação de sínteses [Baudrillard]. Tudo o que não se enquadrar numa lógica do absurdo é considerado como velho, feio e decadente.

Do ponto de vista dos discursos, vê-se que esta hiperbolização da realidade, com o fim dos discursos radicais, criou uma nova forma totalitária de dicurso: o da universalização dos redobramentos. Não basta existir; é preciso que a existência ultrapasse o espaço-tempo em que é realizada (real simbólico) e se universalize no sistema mundo (real real) . Caso não consiga repetir-se, aquela existência deve ser internalizada [Zizek] e esquecida.

Entender o ser humano passa por compreender estes dois critérios: 1) o pensamento hipérbole (irreconhecível, ou irrealizável, pois é mais-que-perfeito, tendo suprimido os dois extremos, o imperfeito e o perfeito) e 2) a desconstituição constante do real simbólico em real real. Todas as duas são formas políticas de construção discursiva (linguagem) que servem como formas de interpretação do mundo. Assim, a repetição do núcleo duro do real real articula-se mediante a negação da negação, ou de sua impossibilidade de concretização pela absorção dos discursos extremos. O sistema estruturalista que daí pode surgir é o da desregularização dos processo de aculturação a nível local, ou a sua institucionalização a nível global pela possibilidade de cópia (espaço simbólico ou uber real) que designa um valor econômico e, portanto, um preço. Daí a afirmação de que só tem valor o que tem preço, e só tem preço aquilo que pode ser reproduzido. O espaço de produção pode ser global, mas a reprodução só traz resultados se ocorrer em nível global [Boaventura]. Tudo passa a ser objeto de consumo imediato e descartável. A sociedade de consumo consome a própria humanidade e transforma o devir num projeto absurdo (porque o futuro deixa de ser um projeto).

Assim, é preciso que surja uma nova modalidade discursiva, que consiga reestruturar o pensamento humanístico, dando-lhe algum valor ou significante que seja capaz de incorporar as gerações presentes e futuras - fazendo com que elas possam comunicar-se com o passado (é preciso reinventar o passado!). O único problema é assegurar que essa nova universalidade que se compõe tenha algo de realmente universal - ultrapassando as dificuldades impostas pela assimilação das culturas de um mundo global. Será preciso um manifesto pela desemplastificação do humanismo?

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