08 novembro 2008

A branquitude ressentida e Barack Obama - por Lourenço Cardoso*

A branquitude ressentida e Barack Obama, ouse a raça não é importante depende de quem diz.

Lourenço Cardoso
lourencocardoso@uol.com.br

Barack Obama foi o primeiro negro eleito presidente dos Estados Unidos. Em sua campanha, procurou desvincular sua imagem da idéia de raça. No jogo das identidades, apelou para sua identidade nacional, distanciando-se da identidade racial.

O senador argumentou que era mestiço: filho de mãe branca americana e pai negro africano. A idéia implícita que o então senador procurou passar durante o desenrolar da disputa eleitoral foi que a raça não era importante. Enquanto candidato, ambicionou tanto os votos dos brancos, quanto dos negros, assim como todos os políticos, procurou angariar votos sem distinção.

Entretanto, pergunta-se: será que a raça não é realmente importante? Se a raça não fosse relevante, por que o senador Barack Obama teve que enfatizar esse recado de maneira direta e inequívoca e, também muitas vezes, de forma implícita? Talvez mais adequado seria o senador sustentar que a idéia de raça não deveria ser considerada relevante, ou seja, no sentido de ser um fator de vantagem e desvantagem. A maioria dos negros norte-americanos votou em Barack Obama; negros que são pessoas distintas, inclusive pertencentes ao Partido Republicano, que também teve a maioria de seus votos provenientes de eleitores latinos, isto é, voto étnico. Portanto o resultado apontado na apuração indicou os dados racial e étnico como elementos significativos que influenciaram a escolha do novo chefe do executivo norte-americano.

Em sua campanha, quando o Barack Obama "falou" ou se "calou" estrategicamente sobre sua pertença racial, sua intenção seria justamente de não perder votos porque é negro. Todavia, aceitou de bom grado os votos recebidos por causa de sua pertença racial. O candidato eleito Barack Obama foi considerado negro aos olhos da opinião pública mundial, especialmente por causa das imagens e notícias veiculadas pela mídia, apesar de ter se esquivado dessa identidade racial, durante o decorrer de sua campanha.

A branquitude -- ou a identidade racial branca (1) --, sempre se vangloriou de sua condição de poder imanentemente superior. Neste momento, com a vitória de Barack Obama, a branquitude começa a tomar também para si o argumento de que a raça não é importante. Porém, trata-se de uma branquitude ressentida, que passa a sustentar esse discurso porque não suporta ver, ou pior, por ser obrigada a obedecer a um negro que se encontra num nível hierárquico superior -- aquele ocupado historicamente por brancos.

Por isso, a partir de agora, ouvir-se-á muitas vezes da "boca" da branquitude um novo discurso, de que "o negro não seria negro, assim como branco não seria branco", porque "a raça não existe". Contudo, no íntimo, a branquitude ressentida simplesmente não admite estar num patamar inferior ao negro. Até o presente momento na história norte-americana, nenhum presidente necessitou deparar-se com a idéia de raça presente e persistente, a todo instante em sua campanha, de forma direta ou indireta. Logo, o argumento de que a raça não é importante possui intenções diferentes, que dependerá muito da pessoa, ou grupo que o professa.

Nesta perspectiva da abolição do conceito de raça, destaca-se o intelectual Paul Gilroy (2). Esse autor propõe o abandono da utilização política e analítica da idéia raça, porque esse seria o melhor caminho para o fim do racismo, levando-se em consideração que a raça não deixa de ser uma idéia que o opressor inventou.

No caso da branquitude ressentida, a idéia de que a raça não existe seria defendida por causa da sensação de incômodo do branco, que entra em crise quando se depara com um negro num cargo de maior poder e prestígio -- a posição que o branco sempre ocupou. A convincente vitória eleitoral de Barack Obama expõe essa branquitude ressentida. Nos Estados Unidos, ela poderá ser encontrada expressa nos discursos dos brancos eleitores, ou simpatizantes do Partido Republicano que apoiaram candidato republicano e senador branco John MacCain.

O presidente "negro" (ou talvez "mestiço") Sr. Barack Obama também expõe a branquitude revoltada, expressa na branquitude acrítica (3). Essa branquitude revoltada é representada pelos brancos que aprovam o racismo publicamente, como por exemplo, os membros dos grupos neonazistas e da Ku, Klux, Klan -- gurpos que já ameaçam assassinar Barack Obama. Simplesmente porque ele seria negro. Ou, talvez, por ser mestiço que possui uma parte negra, fato para eles inaceitável. Ou, porque sendo eles "brancos puros" seriam, por isso, os únicos cidadãos autenticamente estadunidenses.

* Notas

(1) Acerca da branquitude, ver: CARDOSO, Lourenço (2008). O branco "invisível": um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (1957-2007). Dissertação de mestrado, Faculdade de Economia e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Ainda: CARONE, Iray e BENTO, Maria Aparecida da Silva (org.) (2002). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

(2) Acerca do fim da idéia de raça proposto por Paul Gilroy, veja: GILROY, Paul (1998). Race ends here. Abingdon, Oxford: Ethnic and racial studies, vol. XXI, nº 5, 838-847.

(3) Acerca da branquitude acritíca, pode-se colher um estudo mais aprofundado em: CARDOSO (2008), pp. 178-180.

***

Lourenço Cardoso nasceu na capital de São Paulo, Brasil. Formado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra (UC). É escritor e ativista do movimento negro. Suas principais áreas de interesse são relações raciais e literatura. Escreveu alguns trabalhos dentre os quais: O branco "invisível": um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (1957-2007) [dissertação de mestrado]; o livro de poesia "O peso do Mundo", São Paulo, Edição do Autor, 2002, e as peças teatrais: "Preto", "Assassinaram o canalha" e "Perdoe o filha da puta" (no prelo). Também participou das antologias poéticas: "Revista Oficina de Poesia" Viseu: Palimage Editora, 2006; "Revista Oficina de Poesia: 10 Anos" Viseu: Palimage Editora, 2006; QUILOMBHOJE (org.) Cadernos Negros Volume 29. São Paulo: Autores, 2006.

2 comentários:

Anônimo disse...

A ascensão de um negro ao poder da maior potência mundial deve ser vista com a melhor das esperanças, porque é a manifestação de que, cada vez mais, a sociedade se modifica e consegue derrubar preconceitos e tabus.

Se o Barack Obama merece estar aonde chegou, o mundo só saberá no futuro, mas isso aconteceria com qualquer dos candidatos que fosse eleito.

O Barack Obama foi eleito com votos de negros, latinos, brancos, enfim, em todos os que acreditam que nele havia uma possibilidade de mudança.

O distanciamento dele da questão racial deveria ser comemorado por todos e essa posição deveria ser estendida para todos os aspectos das nossas vidas.

Ninguém deve ser privado de seus direitos e nem ser discriminado por características que foram deformadas socialmente pelos interesses de gente egoísta e medíocre que ocupou posições de poder no passado e ocupa até hoje.

E o erro não deve ser repetido também por aqueles que querem o reconhecimento do seu valor como ser humano.

Todos podem colaborar por um mundo melhor e cada vez mais livre das atitudes preconceituosas, e para isso, devemos praticar no nosso dia a dia.

Usar termos como “branquitude ressentida” para se referir a grupos que usam também termos pejorativos quando se referem a negros não é tão inteligente quanto ensiná-los que a diferença de raças deve ser ultrapassada.

Antônio T. Praxedes disse...

O comentário feito por "anônimo" é um exemplo de uma crítica apolítica. Não concordo de maneira nenhuma que a eleição de Barack Obama tenha sido resultado da queda ou do fim de "tabus sociais", porque ele se elegeu exatamente através do voto de milhões de excluídos (como o próprio anônimo reconhece).

Um qualquer distanciamento da questão racial, se houvesse, não se deve exatamente ao fato de ele não ser reconhecido. É um silenciamento proposital que se deve, em grande parte, a um interesse em não provocar ou acirrar a participação da população branca extremista (parte da população branca que vê a raça como um critério social relevante).

Ainda, o termo "branquitude" foi cunhado em contraposição ao termo "negritude", para colocar o "branco" como um objeto de estudo dentro do tema da racialidade. Foi uma forma metafórica encontrada por pensadores e intelectuais negros para, talvez, ajudar a desvitimizar o negro e colocá-lo como ator ativo na luta por espaços de poder dentro da Sociedade.

Por fim, "anônimo" parece ter uma concepção paternalista ou metafísica dos direitos. Direitos são conquistas sociais que se realizam através da luta, senão não passam de mais uma limitação à liberdade, pela via da regulação social.

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