23 setembro 2007

E por falar em democracia...

O periódico Folha de São Paulo está distribuindo aos setores sociais com maior poder aquisitivo uma série de livros intitulada "Folha explica...". O volume deste mês é "Folha explica a democracia", de responsabilidade do professor Renato J. Ribeiro, cujo capítulo primeiro pode ser lido neste link.

Contudo, um exame mais acurado do texto trouxe uma informação que me causou certa perplexidade: o senhor autor, do alto de sua sapiência enquanto "filósofo e professor da USP" ressalta que a democracia ateniense destinava-se preponderantemente às festas. Ainda bem que o "Folha explica a democracia" não é um livro acadêmico... porque da forma que o primeiro capítulo é conduzido, o leitor incauto pode ser levado a crer que a democracia, enquanto forma de governo, possa ser algo de secundário dentro de uma sociedade moderna; uma leitura mais atenta do texto revela isso quando o autor "insinua" uma prevalência da aristocracia ("Aristocracia é o poder dos melhores, os aristoi, excelentes" - conforme o texto) sobre a democracia "(...) o regime do povo comum, em que todos são iguais" - c.o.t.).


Ora, a redação é, no mínimo tendenciosa, fraca e descuidada: "Regimes democráticos só voltaram à cena em fins do século 18, mais de 2 mil anos depois", relata o texto; entretanto, o que ocorre no século XVIII é um sistema de representação dos nobres no Reino Unido da Grã-Bretanha, em que estão representados os lordes e os comuns num sistema monárquico. E, nos Estados Unidos da América, quando a revolução cria um Estado independente, pondo fim à dominação britânica, surge um sistema aristocrático escravagista no Sul e outro aristocrático industrial no Norte - havendo uma República um tanto mais democrática somente após a Guerra de Secessão, em 1861 (ainda, lembre-se que a segregação racial foi tolerada juridicamente nos EUA até 1964 - Civil Rights Act).

Outro fato que chama atenção é a idéia de que a democracia seria um sistema de governo apto às decisões banais: "Não é fora de propósito imaginar que o Rio de Janeiro, Salvador, o Recife e Olinda dariam excelentes cidades-estado, se decidissem adotar a democracia direta. Fariam constantes festas ao deus Dioniso (o Baco dos romanos) e, à volta disso, organizariam a vida social." Ora! Existe por trás da prática política a defesa de padrões de comportamento culturais. O que haveria de se esperar de uma cultura politeísta de dois mil anos atrás? Reuniões públicas para discutir uma forma de colonização da lua com as técnicas de viagem espacial existentes na altura? A religião é uma das bases da civilização ocidental (e da humanidade), até hoje - o que dizer daquela época?

Mesmo que aquela seja uma obra "para o grande público", em que seja impossível inserir toda a informação necessária à boa formação do conhecimento do público leigo, deveria ter sido melhor conduzida. Todo intelectual deve ter o cuidado em investigar e suspeitar das informações de que dispõe, porque as interpretações que de seus textos podem surgir serão sempre incontroláveis. Ao contrário do título da série, neste caso a "Folha desinforma...".

Nenhum comentário:

Artigos selecionados

Supremo Tribunal Federal

Conselho Nacional de Justiça

Tribunal Superior do Trabalho

Tribunal Superior Eleitoral