15 outubro 2008

A crise financeira já era esperada

A última semana foi marcada por um grande burburinho na mídia global: estava anunciada uma crise financeira, causada pela bolha especulativa que já havia sido detectada por economistas no início dos anos 2000. Enquanto a inflação atinge bilhões de pessoas ao redor do mundo e os investidores não conseguem estimar se o sistema voltará a funcionar "normalmente", os governos do grupo dos G8+Rússia anunciam planos de recuperação financeira, despejando no mercado somas astronômicas (de dinheiro público).

De fato, a atual crise teve suas origens nos começo dos anos 1970, quando os Estados Unidos da América puseram fim à regulamentação do mercado financeiro e ao lastro em ouro da moeda norte-americana, quebrando o pacto do pós-guerra de Bretton Woods e estabelecendo o dólar como a moeda de trocas internacional.

Com efeito, se retornarmos na linha temporal, poderemos ver que, com a chegada ao poder da linha de pensamento neoliberal foram abandonas as políticas de intervenção estatal na economia, nomeadamente, aquelas que exerciam controle sobre o sistema financeiro e, concomitantemente, sobre o mercado internacional de capitais. Chamem-lhe "tatcherismo" ou "reaganismo", o fato é que, desde que a teoria das expectativas racionais de Milton Friedman foi laureada com o prêmio Nóbel de Economia (1976), o mercado assumiu um status de omnipotência sobre a política, e a intervenção dos Estados no sistema mundo de produção capitalista globalizada foi combatida duramente pelo núcleo duro do pensamento economicista mundial.

Foi dessa lógica de não-intervenção que surgiram diversas "recomendações" e "consensos" econômicos, traçando as novas diretrizes e finalidades aos Estados: a desregulamentação da economia e do mercado de trabalho; a diminuição de custos produtivos pela desconstrução dos direitos sociais e assim por diante. Um dos melhores exemplos a ilustrar esse conjunto de diretivas é o documento elaborado pelo FMI e pelo Banco Mundial: intitulado "Consenso de Washington", ele contém em 10 pontos todos os itens de uma receita neoliberal para a nova ordem mundial.

Continuando essa "fábula da sabedoria do mercado", nos anos de 1990 o mundo assistiu perplexo ao turbilhão financeiro causado pela volatilidade dos investimentos especulativos na economia mundial. Argentina, Rússia, Brasil, México e os "Tigres Asiáticos" foram atingindos por um "tsunami econômico" quando, numa rápida intervenção especulativa, um grupo de "investidores" movimentou um volume absurdo de capital que entrou e saiu daqueles mercados, causando a queda dos índices das bolsas de valores daqueles países e um colapso em suas economias que, para "voltarem ao normal", precisaram de várias intervenções (leia-se "empréstimos financeiros condicionados") do FMI.

Finalmente, no início do século XXI o mercado financeiro foi surpreendido pela crise das empresas ¨ponto.com" norte-americanas. Aquele foi outro exemplo de uma bolha especulativa, pois representou a super-valorização de empresas que tiveram as suas cotações valorizadas ao patamar da de grandes empresas, como IBM, Microsoft, Ford, GM e GE -- a despeito de funcionarem em pequenas garagens, não terem mais que 01 funcionário (que era, geralmente o próprio dono da "empresa") e não produzirem outra coisa senão pequenos bancos de dados.

E o que adveio disso? A crise das "sub-prime"; uma crise que vem crescendo ao longo dos últimos 11 anos, caracterizada sobretudo por uma estrondosa acumulação de capital e pelo aumento do fosso que separa ricos e pobres, numa escala global. O aumento da pobreza e da miséria ao redor do mundo vem chamar atenção de inúmeros pesquisadores e cientistas sociais a uma catástrofe sem precedentes na história do capitalismo pós-moderno: um endividamento global que supera em dez vezes o PIB mundial; estima-se que a bolha especulativa tenha gerado um débito global de US$ 600 trilhões, quando o PIB (ou riqueza concreta) mundial é de US$ 60 trilhões. Isso faz uma pessoa pensar que se 11% dos credores exigirem a liquidez de seus créditos hoje, o mundo financeiro entrará em colapso - o que, por si só, já é um fato assustador.

Esse cenário não é de crise. Vivemos o início de uma profunda depressão e, conseqüentemente, de uma mais que obrigatória reestruturação do sistema financeiro mundial, à semelhança do que aconteceu nos anos de 1930. Diante disso, as grandes economias irão sacrificar o dinheiro dos contribuintes para cobrir o buraco nas contas das instituições financeiras - que há décadas vêm praticando essa ciranda financeira global.

Entretanto, a pergunta que não quer calar é: os grandes "investidores" devolverão os lucros obtidos nessa operações especulativas aos Estados e às populações? Eles poderão ser responsabilizados patrimonialmente pelo desastre que provocaram? A resposta é simples: não.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente texto, esclareceu completamente minhas duvidas e confirmou algumas de minhas idéias.

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