16 maio 2008

O cidadão emudecido e o capitalismo surdo

Nos últimos meses, tenho me debruçado sobre o discurso neoliberal, de forma exaustiva, tentando identificar aquilo que o torna "neo" em função do liberalismo dos séculos XIX e XX. Embora, à partida, tenha pensado que não haveria nada de novo, logo fui levado a concluir que estava redondamente enganado. Apesar disso, pude constatar que alguns resultados sociais dessa nova "política" são semelhantes aos da velha, embora os espaços e as dinâmicas sejam diferentes. Senão, vejamos.

O liberalismo tinha por sustentáculo inicial a idéia de Estado-nação e a unidade social. A partir daí, o controle social se dava em nível interno e, só depois, partia rumo à dominação de outros povos. Assim, o poder era assegurado em nível local, através da prática burguesa de controle da propriedade privada e de duas formas de divisão: a divisão do trabalho e a de classes. Dessa forma, pode-se afirmar que não havia um projeto liberal, mas vários: norte-americano, inglês, francês, alemão etc.

Nesse aspecto, o neoliberalismo atingiu uma escala global; superada a competição irracional entre as burguesias nacionais, essas propagam alianças na partilha de recursos e mercados comuns. Ora, o modelo anterior era falível exatamente porque a competição desenfreada levou ao esfacelamento do mercado interno - guerras -, fazendo com que novas super-potências despontassem no cenário mundial, oriundas de países que antes ocupavam posição subalterna no sistema mundo de produção: China, Índia, Rússia e outros. Interessante observar que, dentre esses vários países, alguns deles fazem uma estratégica "mudança política", com a rápida formação e mais rápido ainda fortalecimento de suas burguesias internas que, após a liberalização ou "abertura", passam a operar em nível global.

Quanto ao sistema ideológico, o propaganda model liberal recebeu uma nova roupagem: globalizou-se com a ajuda das novas tecnologias de informação e, ao invés de valer-se da censura, passou a utilizar um monólogo, isto é, ao invés de combater e revidar os discursos emancipatórios (ou reformistas, ou revolucionários), pregou o fim de todas as ideologias e, com elas, o capitalismo global como síntese histórica da humanidade. Além disso, se a Internet é democrática, porque possibilita a livre expressão, é caótica, ao ponto de fragmentar os grupos e discursos já suprimidos - para não dizer que os tais "portais" são, acima de tudo, uma tentativa de centralizar a produção do saber e da cultura.

Outra questão relevante a ser pensada é a forma imperial do neoliberalismo. À semelhança de seu "ascendente", o neliberalismo também é hegemônico, ou seja, arvora-se em realidade absoluta fora da qual nada existe: tudo deve ser submetido às leis de mercado, à lógica da Economia e à submissão ao Direito. Nesse aspecto, a democracia representativa de baixa intensidade e indireta configura-se como o único sustentáculo do sistema (afinal, é!) e todas as formas de contestação devem ser tratadas como "caso de polícia" ou "assunto de segurança nacional", ou seja, não há diálogo social, nem expressão contestatória que resista aos imperativos do trinômio Lei-Economia-Acumulação.

Ao repensar isso tudo, sou levado a dizer que o monólogo neoliberal (legalista, científico, acéptico e aético) é algo que prejudica a saúde, simplesmente porque revive um cenário mundial de injustiças, exploração e violência, sem que seja possível articular qualquer plano ou ação que se contraponha à sua força e poder ilimitado.

Pensando melhor, talvez seja por causa dessa megalomania que o sistema entrará em colapso: é omnisciente apenas de si, sua omnipresença é inerte e alheia ao sofrimento humano, e sua omnipotência tem por limites a sustentação da vida humana na Terra. Por enquanto, nossa história segue seu rito, num diálogo entre Afrodite e Tifão.

2 comentários:

. disse...

Primeiramente gostaria de dizer que seu texto está realmente muito bom. Mas fiquei com dúvidas.

Gostaria de entender melhor o que você quis dizer no 3° parágrafo quando fala das relações entre burguesias de diferentes nacionalidades.
Até onde eu sei, a burguesia lucra com a Guerra (gastos emergenciais, desespero da população por mais segurança, substituição de serviços públicos... medo dá dinheiro); lucra inclusive vendendo produtos aos inimigos do seu país.
Imagino que signifique que é inútil lutar entre sí quando podem lutar contra 'inimigos imaginários' (como vietcongs e terroristas). Estou certo?

Mais uma coisa: afinal, o que você sugere? Cotas de consumo? Ditadura do proletariado? Aumento do controle estatal unido uma maior abrangência democrática?

Antônio T. Praxedes disse...

Prezado Léo,
Primeiramente, agradeço pelo seu comentário.
Em resposta, vejo que existem diversas formas de explicar como se processam as "guerras" neste período em que estamos vivendo. Entretanto, a mais simples é a das "ações rápidas" contra os tais "inimigos imaginários" - penso que um dos primeiros pensadores a escrever sobre isso foi Umberto Eco, em seu livro "Cinco contos morais", nas quais não há um inigimo visível... Embora possa imaginar que, num momento de crise generalizada de recursos econômicos, a guerra seja "inevitável" - como as guerras por petróleo, por exemplo.
Finalmente, de maneira nenhuma sugiro a ditadura do proletariado - ou qualquer outra forma de ditadura. Até mesmo porque, em minhas últimas considerações, percebi que a estratégia de tomada de poder não traz nenhum benefício democrático concreto. O poder, quanto mais diluído, mais justo e democrático. O que seria necessário, ainda que utópico, é uma nova formação social, participativa, que transformasse o Estado em algo novo, diferente. Mas isso exige uma ponderação mais profunda (e futura).
Mais uma vez, agradeço seu interesse e me coloco à disposição para o diálogo.
Meus melhores cumprimentos,
A.T.P.

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