29 outubro 2006

Marcas na areia

Ontem fui à praia e fugi da rotina cansativa do trabalho, das leituras e dos "pensares". Minha esposa fez questão de saborear o carangueijo do mangue, ciente de que, em breve, não poderá mais fazê-lo; é uma dessas coisas que só existem por aqui. Ficamos lá, conversando ... água de côco, caldo de peixe. Como é muito natural, passei a vista ao redor: algumas mesas vazias, um grande grupo de amigos à minha esquerda, dois casais à direita. Tudo tranquilo. Sábado típico na Praia do Futuro, em Fortaleza, como poderia ser hoje ou há 10 anos atrás: vendedores ambulantes, crianças fazendo castelos de areia, surfistas, garçons e clientes.

Resolvi molhar os pés na água do mar. Desci à beira; estava morna e o Sol se punha mais fraco. Pus-me a andar, observando meus pés que entravam na água e eram banhados pelas ondas mornas do verde mar. Nesta altura, lembrei-me das últimas preocupações que tive nas últimas semanas. "Estado", "globalização", "política". Parei e perguntei-me se estaria perdendo meu tempo à toa, sem algum motivo razoável para tanto empenho em tratar essas coisas. Observei o mar e me dei conta da minha pequenêz. "Sou apenas uma pessoa", refleti, "porque haveria de me preocupar com coisas que fogem ao meu controle? Como é que posso lutar contra todas essas injustiças do mundo? Quem sou eu a ter tais pretensões?". De repente, me senti aliviado. Estava concluindo que não era de minha alçada pensar nos problemas do ser humano e que, na realidade, havia sido tomado por uma inspiração qualquer que tinha me afastado dos meus reais interesses enquanto indivíduo. Recomecei a caminhar na borla das ondas. Olhei adiante e vi pessoas bebendo e dançando ao som do "amável Axé Music". Sorri.

A vida é feita de coisas simples, prazeres momentâneos e distrações fugázes. As pessoas não buscam algo mais que felicidade e bem estar. O que todos desejam é ter momentos de prazer e ir levando a vida, numa boa e sem estresse. Dez minutos e já estava voltando à mesa, aonde Monika lia a epopéia polonesa. Compartilhei com ela meus pensamentos. Falei da beleza da natureza brasileira e das facilidades que o povo aqui encontra para viver, sem guerras, sem as durezas do inverno frio, na terra aonde tudo o que se planta dá. Disse que tinha me esquivado da vida prazeirosa, preocupado com coisas secundárias. Ela me olhou séria e observou: "Se todos páram de reclamar, se ninguém faz nada e tudo segue por uma 'lógica própria' ou 'mão invisível', a humanidade coloca o seu destino à sorte e não age enquanto ser racional". Falou-me da miséria que viu aqui, refletiu acerca dos perigos que existem numa frágil e recente democracia brasileira, alertou o fortalecimento das idéias extremistas (tanto dos neoliberalistas, quanto dos comunistas), viu a degradação ambiental como um grave problema e, acima de tudo, que a classe política brasileira não está realmente comprometida na defesa do Meio Ambiente (natural e social) porque tem uma agenda irrealizável: cultura, educação, economia, social, segurança, meio ambiente, defesa, políticas interna e externa, etc. Calei-me, pensei e procurei mudar de assunto, para não retornar ao estado de seriedade que estragaria meu lazer litorâneo.

Quando retornei ao lar e depois de organizar as coisas para o recomeço da jornada de trabalho semanal, voltei meu olhar para fora da janela. Olhei em direção ao mar e reestabeleci meus pensamentos e responsabilidades acadêmicas e intelectuais na defesa dos princípios que trago enquanto pessoa. Os princípios dirigem os meios à consecução de finalidades; é, portanto, o início de toda ação humana que tem valor. Os valores que julgo serem relevantes e imprescindíveis é que dão sentido à minha existência, daí ser tão importante a defesa e luta para que sejam protegidos; uma vez defendendo os direitos humanos, a proteção ambiental, a igualdade nas relações econômico-sociais, o diálogo, estarei defendendo meus semelhantes e meus próprios interesses - estarei defendendo minha personalidade jurídico-social. Não vou ao ponto de confundir autruísmo com amor-próprio, porque, na realidade, não estava disposto a filosofar. Apenas chamo a sua atenção para o texto do brasileiro Eduardo Alves da Costa, escrito em tempos em que não era apropriado "falar demais", transcrito a seguir, com o qual me despeço deste escrito:

"No Caminho, com Maiakóvski"

"Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira
noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!"

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