29 junho 2006

Violência policial e respeito: duas coisas incompatíveis


Estava voltando para casa, agora a pouco, quando me deparei com uma cena comum na vida de milhões de pessoas humildes deste Brasil. Numa rua escura, próximo a uma favela, uma patrulha da polícia militar parada no acostamento, luzes apagadas, e um policial fardado ebofeteando um indivíduo e dizendo: -- "Respeite a polícia!"



No primeiro momento, a única coisa que fiz foi sair dali, porque, como pensei, aquilo não dizia respeito a mim, e foi o que fiz. Continuei meu caminho. Mas, no meio da minha covardia a caminho de casa, fui tomado por um sentimento de indignação que culmina neste relato. Como não dizia respeito a mim? Afinal, não sou um cidadão, cristão, e aquele não era outro ser humano? Bem, confesso não fazer a menor idéia dos motivos que levaram àquela atitude do policial fardado - também outro filho de Deus. Digo, inclusive, "motivos", porque "razão" sei que ele não tinha. Dizendo por outras palavras, a atitude que se espera da polícia é o encaminhamento dos bandidos e criminosos à delegacia de polícia, aonde se apuram os delitos e se inicia o inquérito policial. Daí porque, embora possam ter havido motivos, suponho eu, no meu bom senso, não haveria razão para a "agressão oficial". Primeiro porque, se houve um desacato à autoridade, fica configurado o tipo previsto na Lei Penal. Segundo porque, sendo o indivíduo suspeito de algo, ou estando em flagrante delito, deve ser encaminhado à autoridade competente, para que apure a verdade dos fatos. Finalmente porque nada justifica a agressão. Aquilo é tortura, prevista em lei especial como crime hediondo!

Ainda, a boa, sadia e equilibrada educação - Educação que cria a boa Moral, que encaminha o ser no mundo por meio da verdadeira Razão - ensinou-me que respeito não se consegue por meio da violência; a coação ilegal gera o medo e este, por sua vez, conduz à ira e à revolta - caminhos bem afastados do respeito.

Como se pode admitir que os "filhos do Estado", pessoas encarregadas da segurança de toda a população - rica ou pobre - se comportem desta forma, agredindo em busca de respeito? O quê o policial procurava, deduzo agora, não era respeito; ele procurava intimidar, ameaçar e coagir o sujeito, aos tapas. Reflexo, sem dúvida, de toda uma cultura do medo, da tortura, da humilhação dos mais fracos, que faz parte da História do País - principalmente cearense -, acostumada a relatar as aventuras dos "coronéis", as ações dos clãs políticos que se valiam da força para conseguir o poder, os vinte e um anos de ditadura fardada... e assim por diante.

Eu fico envergonhado de presenciar uma cena tão grotesca. Imagino o que deve ter sentido o rapaz que estava lá apanhando, seja lá o quê ele tenha feito.

Um comentário:

BRUNO COLLYER DE CARVALHO disse...

Em conversa com um amigo de infância, que se tornou policial, ele me disse, a respeito de um discurso humanitário semelhante: - Imagine ver um vagabundo (e a falta do itálico me enfraquece a narrativa) roubar um amigo de infância; ou receber a "queixa" de uma velhinha ensanguentada, que acabou de levar uma coronhada!

A postura do policial, que se vê como "filho do Estado", como foi colocado, mas também abandonado por este (nas minhas conversas ouço que eles, os policiais, se sentem incomodados em justificar seus atos, quando isto é necessário, em casos de violência, p. ex., como quem reclama de ter um "direito seu" cerceado injustamente), essa postura é eivada de sentimentos bem humanos, tais como vingança (imprópria), raiva (que deveria estar apartada da atividade estatal), insatisfação e demais paixões... O policial é despreparado, já desde o ensino básico, frustrado, acima de tudo: como poderia esse policial compreender o que me parece ser tão sutil, esse "sentimento cristão" referido ou mesmo qualquer outro instrumento da moral dominante? O policial, compensatoriamente, retribui a força a que esteve submetido e que passa a achar que tem.

(Obrigado pelo espaço.)

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