07 novembro 2023

Intertwined Destinies: The Law, Society, and the Ethical Compass

(Foto: https://bestiu.edu.in/)

Em nossa jornada através da tapeçaria complexa que é o Direito, encontramo-nos frequentemente no cruzamento entre a prescrição normativa e os impulsos humanos mais fundamentais. Não é uma rua de mão única; é um diálogo contínuo, um vaivém entre o que é e o que deve ser. As leis, como reflexos de nossos valores mais profundos, aspiram moldar a sociedade. Contudo, essa sociedade, em constante ebulição com suas transformações culturais e ideológicas, igualmente molda a lei. Este intercâmbio dinâmico é a essência da vivência jurídica em um mundo em transformação.

À medida que exploramos esse diálogo, consideramos a questão de como o Direito pode servir como um farol ético, não apenas regulando ações, mas elevando padrões. A Lei, afinal, é mais do que um conjunto de regras a ser seguido; é uma expressão da nossa busca coletiva por justiça. No entanto, confrontamo-nos com a realidade prática de que a justiça, como a conhecemos, é administrada por seres falíveis e influenciada por contextos sociais e políticos que são tudo menos estáticos.

Tomemos, por exemplo, a abordagem contemporânea dos dilemas ambientais. O Direito Ambiental não opera no vácuo. Ele se entrelaça com as realidades econômicas, com a urgência de preservar a biodiversidade e com a necessidade de garantir justiça intergeracional. Aqui, o jurista se torna um equilibrista, pesando o imediato contra o perpétuo, o lucro contra o planeta.

A obra seminal de Beccaria, "Dos Delitos e das Penas", mesmo tendo sido concebida no caldeirão do Iluminismo, ressoa até hoje, pois destila a essência do pensamento penal em um apelo à razão e à humanidade. Mas, será que estamos prontos para aplicar essa razão iluminada aos nossos desafios mais prementes?

Ao debater o futuro do Direito Ambiental, por exemplo, encontramos paradoxos que exigem uma dialética sofisticada. Como equilibrar o crescimento econômico com a sustentabilidade? A resposta reside talvez não em uma legislação mais rígida, mas em uma conscientização mais profunda - uma mudança paradigmática na maneira como valorizamos o natural e o criado pelo homem.

Encerramos, portanto, com uma questão que é tanto um convite quanto um desafio: como podemos, através do Direito, fomentar uma sociedade que não apenas sobrevive, mas prospera em harmonia com o mundo ao seu redor? Este é o diálogo do nosso tempo, uma conversa que está apenas começando.

24 junho 2019

Democracia brasileira contemporânea: "Nós e eles"

A formação das sociedades humanas primitivas esteve ligada à formação de diferentes estruturas sociais, que foram formadas de acordo com a fase de desenvolvimento político de cada uma delas. A família é entendida como esse primeiro núcleo gregário, seguida pela tribo, chefatura, protoestado e Estados[1]. Cada uma dessas configurações sociopolíticas se identifica com a amplitude da participação no poder decisório, do âmbito mais restrito, até o mais alargado, determinando sobremaneira a conduta dos atores sociais na configuração das relações entre os integrantes do grupo gregário em questão. E por que essa temática é importante para o debate da relação entre Democracia e Política?

Para responder a essa pergunta, é necessário compreender que a grande questão que envolve a formação dos agrupamentos humanos é o sentimento de pertença: a identidade que se cria entre os membros que os compõem. Obviamente, que essa identidade é forjada num espaço territorial e cultural (língua, religião, moral e regras de organização social) e, em decorrência das necessidades de sobrevivência, sobre determinados fatores econômicos e de segurança [2]. Daí, a necessidade de se criarem fórmulas de proteção do agregado social contra invasões e agressões advindas do contato com outros grupos sociais e, nesse sentido, todos os elementos que ajudam a definir a identidade coletiva podem ser utilizados para isso: a religião, estabelecendo o antagonismo entre fiéis e infiéis; a política, com os aliados e os opositores; a guerra, com os amigos e os inimigos; a nação, com os nacionais e os estrangeiros, e assim por diante [3].

Feitas essas considerações iniciais, é preciso contextualizar o momento histórico no qual a questão da Democracia se insere, levando-se em consideração a flexibilização do conceito de Soberania e a inserção do conceito jurídico-político de "povo", em substituição à ideia de "nação", no contexto democrático. Sem percorrer todo o histórico sobre a formação dos Estados contemporâneos, é possível afirmar que o modelo atual que dá sustentação às relações políticas entre os cidadãos e os demais membros que compõem as sociedades - como os transentes e refugiados - está fundamentado no conceito de governação multinível [4]. Como bem assinala Paulo Bonavides [5], esse sistema tem por alicerce a inserção de elementos jurídicos do Direito Internacional Público nos ordenamentos jurídicos nacionais que, de acordo com Antônio Carlos Wolkmer [6] passou a inserir elementos provenientes dos tratados internacionais relacionados aos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais). Vale dizer que esta nova composição é o resultado da elaboração de uma sociedade de Estados que, aderindo ao multilateralismo na condução dos fatores geopolíticos como: equilíbrio de poder militar, organização do comércio e defesa da liberdade política e social. Isso levou à criação de um sistema internacional que visa regulamentar as relações entre os países em vários níveis: local, nacional, regional e global [4].

Destarte, é necessário que se compreenda que a defesa do pluralismo político integra a própria continuidade das relações em um mundo globalizado, da mesma maneira que as sociedades contemporâneas contém em si uma diversidade de grupos sociais, caracterizada pela heterogeneidade desses grupos. A constatação dessa realidade multidimensional das sociedades atuais faz emergir a necessidade de estruturar sistemas políticos que possam reconhecer a existência de grupos de interesse que divergem entre si na formação das agendas políticas nacionais [7]. Nesta difícil estruturação dos projetos e programas de governo, os diferentes atores sociais se utilizam das regras democráticas de participação não apenas para escolher seus representantes políticos, mas, sobretudo, para lhes influenciar no processo decisório legislativo que aloca verbas e planeja ações para governar a sociedade [7]. Porém, observa-se que a grande questão que se esconde por detrás dessa dinâmica política é a defesa dos interesses das minorias (grupos com menor influência sobre os governantes) e as maiorias políticas: como impedir que a vontade da maioria impeça a cidadania e a convivência pacífica entre os diferentes grupos de interesses?

Uma das soluções para esse impasse nas práticas democráticas é garantir que a vontade da maioria política (50% +1) não impeça o exercício de direitos das minorias, assegurando, inclusive, uma diferenciação jurídica estatutária, que reserve direitos e deveres de maneira equitativa para equilibrar as diferenças sociais, econômicas e culturais: assegurando o acesso aos bens jurídicos àqueles que se encontram em situação de hipossuficiência [8] e de representação política diminuta [9]. Isto significa que a Democracia deve ser considerada como um regime político não-excludente, impedindo que os grupos sociais com maior poder político alijam os direitos civis e políticos, sociais e econômicos e culturais dos grupos politicamente mais fracos - seguindo os desdobramentos das ideias apresentadas por Wolkmer [6] e de Bonavides [5]. Além disso, para que se possa falar em comportamento político, não se deve admitir a continuidade do entendimento de natureza fascista que cria o antagonismo entre amigos e inimigos no âmbito político [10]. A Política, entendida como arte e técnica para governar, evoluiu ao ponto de condensar a Democracia como um modelo (imperfeito) de governação que, apesar de todas as suas falhas operacionais (como a questão do domínio dos partidos políticos sobre as decisões políticas e o déficit de participação dos cidadãos, por exemplo), tenta conciliar as diferenças sociais com o apoio no Estado de Direito [11]: por isso, empregam-se as expressões Estado Democrático de Direito ou Estado de Direito Democrático para caracterizar essa equilíbrio entre Direito e Democracia na formação da estrutura estatal, revelando o aspecto jurídico (Direito) e político (Democrático) que deve dar contorno às ações dos poderes públicos, na figura de seus representantes.

É por essa razão que o discurso que estipula uma falsa dicotomia "nós e eles" no sistema democrático é contraproducente na conformação das diferenças políticas entre os grupos de interesses, porque o exercício da participação política deve ser assegurado a todos, de maneira a que cada um dos grupos sociais possa ter o direito de apresentar suas posições políticas perante as autoridades constituídas, nos meios de comunicação legalmente instituídos para tal. Essa exposição de ideias deve seguir os valores políticos institucionalizados que, no Brasil, integram o corpo da Constituição Federal de 1988, dentre os quais se destaca a liberdade de pensamento e expressão. A estruturação da ideologia excludente do "nós e eles" decorre da falsa percepção - impulsionada por uma autêntica paranoia - de que as vozes dissonantes devem ser silenciadas a todo custo, pois representam a ameaça a uma homogeneidade social. Porém, como discutido e reiterado por diversos autores, a sociedade brasileira é composta por diversas sociedades: as diferenças culturais são apenas um dos exemplos que demonstram essa heterogeneidade, além de outras como as diferentes etnias e línguas (a oficial e as indígenas) que se falam nestas terras. Para além disso, existem diferentes posicionamentos morais entre esses diferentes grupos; a expressão de uma dessas moralidades só pode ser entendida como Ética se tal sistema moral não deseje obliterar a existência dos demais [12].

Vale lembrar que o comportamento dos regimes totalitários sempre esteve correlacionado com a ideia de homogeneidade social: a História universal registrou os resultados nefastos da dicotomia "nós e eles" ou "amigos e inimigos" do Fascismo italiano e de outros regimes euro-asiáticos, no contexto da organização sociopolítica e do estabelecimento da ordem social. Todas as tentativas de homogenização social apagam a diversidade, a diferença e as liberdades públicas e privadas, fazendo distinções arbitrárias que separam cidadãos e não-cidadãos, com base em distinções de natureza religiosa, étnica, sexual (gêneros) e ideológicas. Eis o atual estágio da Democracia brasileira contemporânea: o reforço da distinção entre grupos sociais que leva à diminuição da representatividade e à exclusão de grupos políticos minoritários que se demonstram dissonantes da vontade da maioria.

***

[1] Fukuyama, Francis. The Origins of Political Order - From Prehuman Times to French Revolution. 2.ed., Profile Books, 2012). 

[2] Turner, John C. Redescubrir el grupo social: Una teoría de la categorización del yo. Madrid: Ediciones Morata, 1990.

[3] Giordan, Henri. Démocratie culturelle et droit à la différence: rapport présenté à Jack Lang, ministre de la Culture. Paris: La Documentation française, 1982.

[4] Duarte do Amaral, Arnaldo José. "A concretização da justiça em um mundo hiperglobalizado: necessidade de uma abordagem interdisciplinar". In: Borges, Alexandre W.; Coelho, Saulo P. (Coords.). Interconstitucionalidade e Interdisciplinaridade: Desafios, âmbitos e níveis de interação no mundo global. 1. ed. Vol. 1. Uberlândia: Edição Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparado, 2015, pp. 108-124.

[5] Bonavides, Paulo. Ciência Política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

[6] Wolkmer, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura do Direito. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

[7] Bilhim, João Abreu. "Políticas públicas e agenda política". In: ISCSP. Valorizar a Tradição: Orações de sapiência no ISCSP. Lisboa: Edições ISCSP / Universidade de Lisboa, 2004, pp.82-102.

[8] Abe, Maria Inês Miya; Vidal Neto, Pedro. A seguridade social em função dos direitos humanos. 2007. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

[9] Norris, Pippa. "Representation and the democratic deficit". In: European Journal of Political Research, n. 32: 273–282, 1997.

[10] Schmitt, Carl. O Conceito do Político. Lisboa: Edições 70, 2015.

[11] Poblete, Manuel Núñez. "Una introducción al constitucionalismo postmoderno y al pluralismo constitucional". In: Bascuas Jardón, Xoán-Carlos (et al.). Multiconstitucionalismo e multigoberno: estados e rexións na Unión Europea. Santiago de Compostela: Universidade de Compostela, 2005, pp. 19-55.

[12] Bittar, Paulo. Curso de Filosofia do Direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

09 dezembro 2016

Direitos sociais: porque o buraco é mais em baixo

Alterar os direitos sociais - como normas da previdência ou das formas mais flexíveis de contratação e demissão - implica em efeitos diversos nos diferentes setores sociais. Considerando as diferentes classes de trabalhadores e os níveis de desgaste físico e mental que o trabalha acarreta, é de se pressupor que haverá um tipo de consequência gravosa para cada tipo de trabalho prestado: trabalhos mais físico-intensivos significam desgastes a nível de estrutura óssea e muscular, enquanto a labuta de caráter técnico implica consequência a níveis de cansaço mental, quando não ocorrem efeitos dos dois tipos, simultaneamente. O fato é que o trabalho não é uma atividade de lazer, embora alguns até advoguem a tese de que é prazeroso: como dizem os portugueses, "trabalho é trabalho, e conhaque é diversão".

O fato é que as recentes reformas levadas a cabo na República brasileira fazem parte de um antigo debate sobre a sustentabilidade de um modelo de proteção social herdado da influência europeia de regulamentação da atividade produtiva executada pelos trabalhadores: longe de considerá-los como coisa, o legislador constituinte originário os dotou de uma série de garantias que integram um núcleo duro de um projeto bem mais arrojado de defesa de direitos: a incorporação do projeto político de direitos humanos num cenário de uma economia globalizada significaria o estabelecimento de standars mínimos de proteção contra os avanços do poder econômico: ao mesmo tempo em que se privilegiaria o valor social da iniciativa privada (com a manutenção da função social das empresas: vagas de trabalho), se protegeria o direito fundamental de livre iniciativa (função econômica da empresa: o lucro). Tudo isso numa tentativa de construção daquilo que Norberto Bobbio classificou e defendeu como liberalismo social.

As bases dessa teoria, conforme aventadas no parágrafo anterior, visam proteger o caráter produtivo crescente do sistema de produção, mediante um papel social a ser desenvolvido pela empresa: a responsabilidade social na condução dos negócios abrangeria não apenas o meio ambiente social, mas também acarretaria uma preocupação com o meio ambiente natural, numa lógica de desenvolvimento sustentável, com o crescimento controlado da exploração da mão-de-obra e da proteção da natureza, respectivamente. Além disso, condições de preparo da classe trabalhadora integraria um conjunto de ações de natureza cultural a serem incentivadas pelo Estado, por meio da promoção da ideia de escolarização e esforço pessoal para o desenvolvimento da melhores aptidões de cada trabalhador, preparando-os para a vida cidadã e para o mercado do trabalho - como funções básicas da Educação/escolarização - obrigação não só do Estado, mas da sociedade civil organizada.

Entretanto, a nova investida do capital financeiro que, se aproveitando do momento de crise mundial criada exatamente pela falta de regulamentação de sua atividade ao redor do globo, vem criando obstáculos que se fazem sentir, antes de tudo, na vida social dos trabalhadores e suas famílias. A carga tributária, a limitação de gastos sociais (decorrentes dos falidos programas de austeridade, que já não funcionaram nos países europeus) e os constantes avanços tecnológicos que vêm exigindo uma constante readaptação da mão-de-obra aos novos padrões de exercício das atividades laborais têm tornado impossível àqueles que ocupam posições de marginalidade dentro do sistema econômico de produção capitalista global acompanhar as mudanças que se operam numa escala frenética. Associado a isso, uma nova filosofia - a colaboracionista, que transmuta o empregado/trabalhador num có-participe da produção, por uma nova forma ideológica designativa, que o renomeia como "colaborador" - associada ao antigo e obscuro conceito de meritocracia - numa sociedade em que privilégios são herdados, passados de "pai para filho" com raras exceções que confirmam a regra -, vem fragilizando os conceitos elementares de exploração e reificação que derivam da história dos sistemas produtivos.

Dessa maneira, pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que o maior desafio para as atuais gerações passa por uma nova conceituação do que vem a ser "trabalho" como categoria, e qual papel real (e não apenas simbólica ou imaginária) essa atividade irá representar para as atuais e futuras gerações. É óbvio que, como destacado anteriormente, os efeitos desse novo tipo de regulamentação serão sentidos de maneira diversa pelos diferentes tipos ou categorias de trabalhadores: enquanto uns poderão esconder o seu desgaste com o uso de fármacos "milagrosos" que escondem o desgaste psicológico e mental de um trabalho cada vez mais competitivo e de valor tecnológico agregado, outros terão que definhar e aguardar silenciosamente pelo momento em que, desnecessários para o atual sistema de exploração do trabalho físico, só lhe restarão duas opções: a morte digna, pelo desgaste físico, ou a morte "insidiosa" à custa dos benefícios previdenciários que poderão fazer jus, porque não tiveram a "dignidade de morrer de tanto trabalhar".

Ainda, o deslocamento desse debate das ruas para as academias representa uma falha na formação de intelectuais orgânicos, responsáveis pela articulação de movimentos sociais, junto à falência do sistema representativo sindical que perdeu poder frente às novas formas atípicas de contratação laboral. O sistema produtivo, como é evidente, continua contornando as dificuldades que lhes são apresentadas pela regulamentação protetiva do mercado de trabalho, enquanto a pauta política, controlada não apenas pela arrogante classe intelectual e pela despolitizada classe média continua a ignorar os direitos daqueles que compõem as fileiras dos trabalhadores miseráveis deste país. Nesse mesmo sentido, convém relembrar que, mesmo em regimes ditatoriais ou déspotas, sempre há uma parcela de conivência e legitimidade do poder - que não vive somente mediante o uso da força. Mas. diante das injustiças sociais praticadas de maneira incessante e do crescimento da impunidade que atinge e privilegia os setores dominantes da sociedade brasileira (tanto das grandes fortunas, quanto dos grandes burocratas que se locupletam desse sistema de credulidade e abuso de prerrogativas), há o crescente descontentamento e deslegitimação do sistema legal, que impulsiona milhares de pessoas ao descumprimento das normas jurídicas e dos valores mínimos de uma sociedade que se propugna a ser "livre, solidária e fraterna".

Portanto, uma defesa sistemática dos direitos sociais é a busca de um mínimo existencial que não se confunde com a simples reprodução do capital humano, mas de uma contrapartida que se concretize em direitos que protegem o exercício de um trabalho decente e uma vida digna. Sem a defesa desses valores, volta-se ao período em que a oferta da alimentação garantidora da sobrevivência passa a ser legitimadora do exercício do trabalho, como ocorria na escravidão e na percepção de que, pelo menos, há o que comer.

22 dezembro 2015

12 de novembro de 2015

‘Intervenção militar já existe na favela. Muda pra lá, coxinha’. A foto de um muro com essa frase correu as redes sociais logo depois que, em março último, gigantescos protestos contra o governo pediam entre outras uma tal intervenção militar constitucional (sic), e muitos dos manifestantes posavam orgulhosos em selfies com policiais militares.
Desde as jornadas de junho de 2013, a juventude de classe média conheceu de modo contundente – balas de borracha, spray de pimenta, bombas de gás e efeito moral (!) – a prática corriqueira das polícias brasileiras nas ‘quebradas’, de norte a sul, leste a oeste, sob a bandeira de todos os partidos sem exceção. Mas a madrugada nas periferias também acoberta pé na porta, surras, tapas na cara, torturas e humilhações de toda ordem, contra criminosos e inocentes, sobretudo jovens, quase indiscriminadamente. É um traço de nossa cultura de violência que se calcificou no período da última ditadura e resistiu ao processo da redemocratização que agora se vê ameaçado de retrocesso em várias frentes.

04 dezembro 2015

Impeachment: o malabarismo pan-hermenêutico e a segurança da Democracia

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acatou um dos pedidos de impedimento que tramitam naquela Casa legislativa, contra a atual Presidente da República Federativa do Brasil. Acusam a atual gestão de ter praticado a famigerada "pedalada fiscal" e demandam a sua responsabilização por ilícito orçamentário. Como é evidente nas redes sociais, o descontentamento de uma grande parcela da população embala o sonho de se retirar a Chefe do Executivo do cargo para o qual ela foi legitimamente eleita em 2014.

Por uma razão metodológica, primeiramente, custa-nos analisar o aspecto jurídico do pedido de impeachment, que se baseia no descumprimento da lei orçamentária. Após, revelar os contornos políticos da questão, no que toca à prática e vivência da Democracia - com a nítida noção que temos algo a "Temer". Só assim, poderemos proceder a um interregno sociológico que elucide um dos mais interessantes fenômenos da Democracia brasileira neste século XXI: a explosão do neoconservadorismo, associado à tomada de consciência sobre o papel da participação social. 

10 setembro 2015

Simplicidade num mundo complexo - Por Adriano Facioli

Que ninguém se engane: só se consegue
a simplicidade através de muito trabalho.
(Clarice Lispector)

Antes de tudo, vamos definir os conceitos. Simplicidade não é a mesma coisa que simploriedade. Não se trata de simplificar o que quer seja, distorcendo os fatos, a realidade. Não se trata de adotar uma visão tosca, pouco refletida ou crítica. Diz respeito a conseguir compreender, e bem, sem se perder em nossas próprias firulas cognitivas, narcisistas ou obscuras.


23 agosto 2015

Fortaleza envergonhada

Imaginei esses dias a principal associação empresarial de qualquer cidade alemã recebendo um palestrante deputado que desembarcado no aeroporto local dissesse publicamente: “nós já vencemos uma vez, fomos derrotados, mas voltaremos” referindo-se ao 3º Reich. Soa absurdo, eu sei. Se mudarmos de continente e colocarmos a sandice no Chile, Uruguai ou mesmo Argentina, países que enfrentaram seus passados de ditadura como recomenda a internacional “Justiça de Transição” para consolidar consensos democráticos nacionais, haverá enorme dificuldade de crer razoavelmente em acontecimento dessa espécie. Mas a realidade costuma superar nossas piores distopias.

O protagonismo político do CIC colocou o Ceará na primeira página do País, o que se costuma chamar “A Era Tasso”, dos empresários “esclarecidos” no poder. Inúmeros trabalhos acadêmicos se referem a uma revolução burguesa tardia entre nós, uma “modernização conservadora” que, não obstante, representou avanços em setores diversos, da economia aos direitos humanos, como de resto em todo o País, desde o período da redemocratização. Os avanços, sociais e político-institucionais, ficaram bem aquém das promessas; negá-los, entretanto, é equívoco crasso.

29 julho 2015

Caçadores de grandes narrativas perdidas

Há cerca de cinco décadas tornou-se lugar comum nos círculos acadêmicos humanísticos nascidos em solo europeu, espalhando-se rapidamente para as Américas, uma ácida crítica ao que se chamou de ‘metanarrativas’. Num evidente esforço por manterem-se descolados das chamadas ‘ciências da natureza’ dominadas pela ‘razão instrumental’, os defensores dessa crítica anunciaram o fim da era das grandes narrativas e tinham como alvo as ontologias do século XIX, muito especialmente o marxismo, dado o choque causado pelas descobertas das atrocidades cometidas pelo regime soviético sob a batuta stalinista.

Então, não apenas o fascismo nazista produzia o horror? Utopias emancipacionistas também produziam barbárie como um seu corolário, desde que atreladas a uma visão totalizante e abrangente do universo físico e da natureza humana portadora de finalismos ‘fatalistas’. Depois das crises sistêmicas da economia de mercado no início do século XX, também o liberalismo econômico perdera prestígio de modo contundente, restando apenas a aposta num liberalismo de costumes e de lutas em torno de causas pontuais e grupos específicos. Assim, todos os produtos sofisticados do iluminismo europeu, o historicismo dialético, materialismo, idealismo, são igualmente jogados na lata do lixo com todas as convicções e certezas profundas. Era das incertezas, indeterminação, fim das ideologias, desconstrucionismo, desterritorialização e outros conceitos tornaram-se comuns na cena acadêmica.

29 junho 2015

LGBT, nossa causa comum

Dia 24 último, no lúcido “Ponto de Vista” sobre a tumultuada sessão da Câmara Municipal que retirou do Plano Municipal de Educação a recomendação de os professores serem formados para ajudar a pacificar diálogos, superar preconceitos, discriminações, violências sexistas e homofóbicas no ambiente escolar, o jornalista Henrique Araújo afirmou com razão que voltamos muitas casas no tabuleiro. E concluiu: ‘uma sessão para esquecer’. De modo algum. Na verdade, estou solicitando a gravação da sessão. É um sólido documento de sociologia, ciência política e filosofia que abreviará muito de meu esforço didático quantos aos conceitos de modernidade liberal, esclarecimento, laicidade e secularização em face dos dogmatismos de matizes obscurantistas não apenas, mas sobretudo religiosos.
 
(Foto: Rafael Lobato Pinheiro - Centro Cultural Dragão do Mar, 28/06/2015)
 
É preciso mais que não esquecer. Devemos atentar às falsas oposições que envolvem lutas emancipacionistas de minorias. No caso especial do combativo movimento LGBTT, tem-se acusado os evangélicos neopentecostais (teólogos da prosperidade, neoliberais radicais em matéria econômica) de fundamentalistas em contraste ao vento ‘renovador’ que sopra das batinas do Vaticano mundo afora. Ledo engano: são avesso e direito de um só front, apenas.

O seu dinheiro é mesmo seu?


Deve ser curioso. E é totalmente histórico. O indivíduo chega ao banco, ele tem dinheiro em conta, mas ele só pode sacar (se houver espécie em caixa) o seu dinheiro, que com certeza é "muito seu" (quem há de negar?) até um certo limite (baixo). A cor do restante do dinheiro, que continuará a ser seu dinheiro, "muito seu, sem dúvida", o indivíduo só verá quando e se o governo autorizar. É isso que os gregos estão vivendo hoje e provavelmente pelas próximas semanas.

Conclusão imediata: "Os malucos da esquerda que se apossaram do poder na Grécia estão tomando o dinheiro de sua própria população para pagar dívidas que são do governo. A que ponto chegaram esses doidos!..."

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